Durante a pandemia coloquei à prova toda a capacidade de “criação de novos roteiros”, ainda que de “criação” e de “novo” não tenha nada. Para o montanhismo foi um período complicado, haja vista que parques e demais unidades de conservação se fecharam, além da dificuldade logística que tal período impôs. Era preciso sair do óbvio e pensar em roteiros que conciliassem facilidade logística, pontos de interesse e acesso irrestrito, de preferência longe das comunidades e povoados.
E foi ligando alguns pontinhos que nasceu o presente circuito, baseado na zona rural de Jaboticatubas, com início entre as localidades de Felipe e Contagem, percorrendo a porção mais ao sul da Serra do Espinhaço.
Como se trata de um circuito, a logística se torna mais simples, tendo em vista que pode ser realizada em veículo próprio. A trilha tem início nas proximidades da Pousada Cachoeira da Serra, localidade de Felipe/Contagem, a cerca de 12km do centro de Jaboticatubas.
Partindo
de Belo Horizonte, o acesso à Jaboticatubas é feito pela rodovia
estadual MG-020, passando também pelo município de Santa Luzia.
Chegando à Jaboticatubas, basta seguir à direita logo na igreja
onde há um pequeno letreiro com o nome da cidade. Nas demais
bifurcações, siga as indicações para “Pousada Cachoeira da
Serra”, “Felipe” ou “Bom Jardim”. São mais 9km por estrada
de terra em boas condições até o ponto onde a trilha se inicia.
No
local há um descampado, de propriedade da pousada, onde o veículo
pode ser deixado. Outra opção é deixar o veículo em uma
cascalheira uns 450 metros antes do início da trilha, ou na Capela
Santa Tereza, que fica 1km antes.
DIA 1: JABOTICATUBAS X ALTO MARIMBONDO
A travessia não começou tão cedo quanto gostaria, em virtude de convidados de última hora (que inclusive tiveram que se preparar de última hora rs). Chegamos ao ponto inicial depois das 09h00 e começamos de fato a caminhada às 09h48. Em vez de subir pela cascalheira, subimos por uma trilha mais discreta que segue à esquerda da cerca e vai margeando a divisa até interceptar o caminho mais consolidado logo acima.
O circuito já se inicia com uma bela subida pela face oeste da Serra da Contagem. A subida é repleta de degraus e mudanças de direção, até que alcançamos os aproximados 1.130m de altitude, ponto onde o relevo se estabiliza e consolidamos o rumo sudeste. Os afloramentos rochosos dão lugar a um cerradinho. Do lado esquerdo de quem caminha descortina o vale do ribeirão Bom Jardim. Caminhamos mais um pouco e logo somos agraciados com a vista da cachoeira da Grota. Por ora só vista mesmo, já que a programação é visitar a referida cachoeira somente no 3º dia de caminhada.
Por uma planície seguimos no rumo sudeste. Passamos por uma porteira de madeira e atravessamos uma mancha de cerrado, com algumas espécies arbustivas e arbóreas de pequeno porte. De volta aos campos deixamos a trilha que segue para o sul-sudeste em favor de um trilho que segue do sudoeste para nordeste. Depois da guinada para a esquerda, voltamos a uma área de afloramentos rochosos e seguimos em ligeiro declive até a passagem por um afluente do ribeirão Bom Jardim.
Caminhamos mais um pouco e logo chegamos a um acesso ao ribeirão Bom Jardim, onde havia cachoeiras em potencial. Deixamos as cargueiras em um afloramento rochoso e seguimos por uma trilha discreta em direção ao ribeirão. Cruzamos o curso d’água e contornamos um capão de mata, interceptando o ribeirão mais abaixo e dali seguimos pelo leito do Bom Jardim, descendo pelas rochas.
Neste trecho encachoeirado do ribeirão Bom Jardim há diversas piscinas naturais e algumas quedas água de maior proporção. No entanto o acesso a alguns poços não é fácil, exigindo uma desescalada e posterior escalada, com exposição à altura. Descemos pelo leito até chegar ao topo de uma cachoeira que foi denominada de “Quarteto” por algum visitante contemporâneo.
Depois de um belo banho nas águas do Bom Jardim, ao escalar uma das quedas d’água, fui colocar a GoPro em um degrau acima, para que não corresse o risco dela cair do bolso ou de atrapalhar a escalada, mas acabei acertando a câmera durante a ascensão e perdi ela de vista. Simplesmente sumiu! Não consegui nem ver por onde ela teria caído. Vasculhei os arredores mas não obtive sucesso. (Uns meses após esta empreitada, fui na tal “cachoeira do Quarteto”, onde quase congelei vasculhando o pequeno poço atrás da câmera, porém sem sucesso)
Sem ter muito tempo para lamentar, continuamos na empreitada, pois a subida mais forte do roteiro estava para começar. Algumas centenas de metros depois do acesso ao ribeirão Bom Jardim, deixamos a trilha que segue para nordeste em favor de uma trilha que segue para leste. Pelos afloramentos rochosos seguimos em direção à cabeceira de um dos afluentes do Bom Jardim. Neste trecho há um emaranhado de trilhas, porém vamos seguindo por um trilho mais consolidado que vai tomando o rumo sudeste.
A trilha nos leva até uma drenagem, onde há uma cerca aparentemente nova, diante dos bom estado de conservação dos mourões. Após cruzarmos o obstáculo, subimos pelo morro, sem trilha definida, até que interceptamos um trilho discreto mais acima. O trilho vai nos levando ao fundo do vale, porém ao se aproximar da drenagem toma um outro rumo, o qual ignoramos. Atravessamos a drenagem e começamos a subida da vertente leste da Serra Caixa d’Água, onde não há trilha definida. Subimos paralelos à drenagem d’água, até que encontramos uma cerca, também com aparência de nova, no meio da encosta. Cruzamos a tronqueira e uma trilha suja nos leva aos campos no topo da Serra Caixa d’Água, cujo visual é singular, principalmente com o fim da tarde se aproximando.
O topo da serra seria um local extraordinário para acampar, caso ali houvesse água corrente. Porém, como se não bastante estar em um altiplano no topo da serra, ali ainda é uma área de nascentes, bem próxima ao divisor das águas das sub-bacias do ribeirão Bom Jardim e da Prata. Sem jeito para o acampamento, após alcançarmos o ponto culminante da travessia, tendo o GPS apontado 1.532m de elevação, iniciamos a descida da vertes oeste da Serra Caixa d’Água.
A forte descida, bastante irregular, possui um trilho principal que vai curvando para o sul. Como nossa intenção era ir para o norte, alternamos alguns trechos sem trilha e outros aproveitando as trilhas existentes, para alcançar a trilha principal mais abaixo.
Com o cair da noite já iminente, já que nos aproximávamos das 18h00 e com boa parte do grupo já combalido após as longas subidas do primeiro dia, optei pelo acampamento em um descampado próximo ao curso d’água, em vez de seguirmos até o topo da Cachoeira Alta, distante cerca de 2km dali. Às 17h53 encerramos o primeiro dia de caminhada, após percorrermos 13,5km.
Utilizamos o curso d’água logo adiante, que forma a cachoeira do Marimbondo, para tomar banho e coletar água. Após uma janta padrão, uma tranquila noite de sono para recarregar as energias.
DIA 2: ALTO MARIMBONDO x LAGOA DOURADA
Sem pressa, no segundo dia iniciamos a caminhada às 09h17. Logo cruzamos o córrego onde nos banhamos na noite anterior e ignoramos a trilha que leva ao alto da cachoeira do Marimbondo, para seguir o caminho que ruma para o norte.
Um morrote separa as águas que correm para a cachoeira do Marimbondo das que alimentam a cachoeira Alta. No meio da descida deixamos a trilha principal em favor de um trilho discreto que deriva para a direita. Após uma curva aberta para leste, chegamos ao topo da Cachoeira Alta, que normalmente possui uma vazão pequena, em virtude da proximidade das nascentes. Apesar de termos caminhado pouco até ali, ignoramos a distância que restava e ficamos no local por quase 2 horas. Nas proximidades do topo da cachoeira há uma área de acampamento interessante, indicado no Wikiloc, que é o local mais indicado para o primeiro pernoite.
A trilha segue em aclive suave, margeando o pequeno vale da principal nascente da Cachoeira Alta. Próximo a cabeceira a subida fica mais forte por breve período, desembocando em um platô. Ao norte, no nosso horizonte, vai descontinando o belíssimo vale da Lagoa Dourada. Aos poucos vamos perdendo altitude e logo cruzamos o rio Jabuticatubas pela primeira vez. Em seguida tem início o forte declive, repleto de cascalho, degraus e pedras soltas, que leva ao fundo do vale.
Já em um patamar inferior, ignoramos as trilhas que seguem para o norte. Neste trecho sempre opto por atravessar rapidamente o rio Jabuticatubas, seguindo pelas trilhas da margem esquerda. No entanto, quem segue pela direita tem a possibilidade de visitar uma queda d’água que fica à direita do vale, algumas centenas de metros a frente.
A caminhada pelo fundo do vale não possui grandes dificuldades. Cruza-se diversos afluentes do rio Jabuticatubas, de diversos calibres. As travessias alternam trechos arenosos com pequenos charcos, facilmente superados. Às 14h40, após 10,6km de caminhada reencontramos o rio Jabuticatubas, desta vez no topo da cachoeira da Lagoa Dourada. Montaríamos acampamento ali perto, então o restante da tarde seria apenas para curtir o local e arredores.
Depois de uma visita à cachoeira da Lagoa Dourada, também conhecida por “Fadas”, resolvemos visitar a cachoeira da Lili, que fica mais abaixo no curso d’água, porém com acesso mais técnico. Seguimos, então, descendo o rio Jabuticatubas pelas rochas do leito. O rio faz uma curva para a direita e, antes das grandes caídas, saímos do leito por uma fenda entre as rochas, à esquerda.
O caminho parece improvável, porém é preciso acreditar. No interior da fenda escura subimos por uma espécie de chaminé e esgueirando pelas paredes saímos em área aberta novamente. O caminho agora segue descendo pelas rochas, em terreno inclinado e repleto de degraus, descrevendo uma curva de 180º para a direita. Como se não bastasse a dificuldade do terreno, alguns marimbondos se encarregaram de deixar a jornada ainda mais desafiadora. Para sorte da maioria e azar da Natália, ela serviu como boi de piranha e foi quem tomou as primeiras picadas e noticiou a presença dos infames insetos. No entanto, apesar de consciente, não tive sucesso em evitar os marimbondos e saí de lá com uma picada na mão.
A descida é íngreme em grande parte, com alguns trechos de exposição à altura, algumas cordas fixas instaladas facilitam o acesso e logo chegamos à parte baixa da cachoeira da Lili. A cachoeira está confinada em um cânion com paredes altas e ligeiramente estreitas. O poço é de águas escuras e turbulentas, em virtude do período chuvoso que ainda não havia se encerrado. Depois de banhar por ali, inclusive acho que fui o único, resolvemos seguir descendo pelo rio Jabuticatubas.
Este trecho final pelo cânion não marquei no GPS, ou se marquei optei por não divulgá-lo, porém tampouco o tenho em meu arquivo. Porém a descida pelo rio não impõe grande dificuldades até o momento que se chega a uma queda d’água, onde a rocha que a margeia forma uma espécie de rampa que leva até o poço. Neste ponto é preciso realizar uma pequena desescalada/escalada e a rocha é um pouco mais escorregadia do que deveria ser. Somente Senna e eu descemos ao poço. Aparentemente as coisas dali para baixo eram mais fáceis e acredito que não falta muito para chegar às cachoeiras mais populares do povoado de São José da Serra.
Depois de tanto aquatrekking, retornamos pelo mesmo caminho, pegando os marimbondos mais calmos na subida. Finalizamos as atividades do dia às 17h34, depois de percorrer 11,8km.
DIA 3: LAGOA DOURADA X JABOTICATUBAS
No último dia de circuito, iniciamos nossa jornada um pouco mais cedo, às 08h15. Depois de dois dias nebulosos, amanhecemos com nuvens ralas e um céu do mais bonito azul. Começamos seguindo pela mesma trilha do dia anterior, desta vez no rumo sul. Depois de algumas centenas de metros, deixamos a trilha principal que segue pelo fundo do vale em favor de uma trilha que vai subindo a Serra da Lagoa Dourada.
Entre afloramentos rochosos e canelas de ema vamos ganhando algumas altitude e desembocamos em um campo em um patamar superior da serra. A trilha alterna trechos consolidados com outros sujos e confusos. Porém o destino é um só: para cima. Em constante aclive seguimos, cruzando dois pequenos afluentes do rio Jabuticatubas.
Depois de 5,9km, às 09h56 chegamos ao ponto culminante do terceiro dia de caminhada. Com o tempo aberto e limpo, observamos, ao norte, os picos da região da Lapinha e, ao sul, a inconfundível Serra da Piedade, além dos paredões da Serra do Caraça, estes mais distantes.
A caminhada agora segue em declive, entre os afloramentos rochosos. Neste trecho são múltiplas trilhas que seguem, ora paralelas, ora tomando diferentes rumos. Ignoramos algumas dessas saídas, as quais possuem trilhas até mais consolidadas, e seguimos em direção ao fundo do vale, onde atravessamos uma porteira de madeira antes de cruzar um afluente do ribeirão Bom Jardim.
Ainda em declive seguimos até reencontrar o próprio Ribeirão Bom Jardim e algumas dezenas de metros depois interceptamos a trilha por onde passamos no primeiro dia de caminhada. Mais a frente, ignoramos a continuação da trilha que fizemos no primeiro dia para tomar um caminho mais direto à cachoeira da Grota.
Deixamos os afloramentos rochosos em favor de uma trilha discreta que segue pelos campos e se aproxima do Ribeirão Bom Jachoardim. No caminho cruzamos alguns afluentes do ribeirão, até que desembocamos em um campo, utilizado como área de pastagem. Às 12h10, depois de 11,8km de caminhada, enfim chegamos ao topo da cachoeira da Grota. Fizemos a usual desescalada pela esquerda do ribeirão, a fim de alcançar o poço da cachoeira e por lá deleitamos boa parte da tarde. Em virtude do tempo aberto e do calor, outras pessoas também aproveitaram para fazer a trilha até a cachoeira, que tem pouco menos de 5km de extensão.
Às 15h41 iniciamos o último trecho do circuito: o retorno até o ponto de partida. Enfrentamos o confuso aclive pelos afloramentos rochosos até alcançar os campos na parte superior da serra. Devido à criação de animais na região, há várias trilhas neste trecho, tornando o caminho a ser seguido um pouco confuso (eu acho que sempre pego um caminho diferente a cada vez que vou lá).
Alcançado os campos no topo da serra, sem maiores dificuldades seguimos pelo mesmo caminho do primeiro dia, até que retornarmos ao ponto inicial/final, onde finalizamos a jornada. Portanto, às 17h18, depois de percorrer 17km, encerramos mais um circuito pela Serra do Espinhaço, talvez aquele mais interessante para quem reside em Belo Horizonte e arredores.
OBSERVAÇÕES:
-
Trilha de dificuldade moderada, com subidas e descidas íngremes,
trechos com muito cascalho, trilhas sujas ou sem trilha definida,
travessias de corpos d'água (normalmente bem rasos), caminhada em
leito de rio e uma pequena ascensão estilo chaminé (feita sob
ataque, caso queira visitar a cachoeira da Lili). Para iniciantes ou
pessoas sem condicionamento físico pode ser uma trilha de alta
dificuldade;
- LEVE SEU LIXO DE VOLTA, FECHE AS PORTEIRAS/TRONQUEIRAS, EVITE FAZER FOGO e ABRIR NOVAS ÁREAS DE ACAMPAMENTO;
- A travessia pode ser realizada em qualquer época do ano, no entanto, em caso de muita chuva, algumas passagens de rio podem ficar mais complicadas;
- Trilha bem exposta ao tempo, protetor solar e chapéu são itens obrigatórios. Mesmo no período de estiagem há boa oferta de água. Uma autonomia de 1L de água pode ser suficiente;
-
Sinal de telefone em vários trechos da rota, principalmente nos
pontos mais altos e sem obstáculos;
- Rotas de escape:
saída para a localidade de Mutuca de Cima (Altamira) após a
passagem pela Serra da Caixa d'Água; saída para São José da Serra
quando estiver no vale da Lagoa Dourada. Atente-se que são
comunidades pequenas e que carecem de muitos tipos de serviço.
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