12/07/2025

Parque Estadual Serra Nova e Talhado: Travessia Talhado x Serrado

Depois de um longo inverno… ou melhor, uma longa tempestade, falando em termos de montanhismo rs. Uma longa tempestade com chuvas e trovoadas! Resolvi voltar com os velhos hábitos. Para aqueles tão velhos – de corpo e/ou espírito, assim como os hábitos e assim como eu, que não aguentam mais ter que batalhar informações em caixinhas de comentários nas redes sociais ou assistir praticamente longa-metragens no YouTube para tirar uma ou outra informação relevante.


Bueno, vou recomeçar de onde parei. O ano era 2020, o mês era fevereiro. Na televisão se falava de uma doença respiratória do outro lado do planeta. Aqui em Minas vivíamos mais um verão quente e com pouca chuva. No 1º dia de fevereiro embarcamos para, então, uma travessia relativamente desconhecida no norte do estado: Talhado x Serrado, lá pelas bandas no Parque Estadual Serra Nova e Talhado.


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LOGÍSTICA:

A referência para a logística desta travessia é Porteirinha, no norte de Minas Gerais. A cidade está a aproximadamente 600km da capital Belo Horizonte e a 170km de Montes Claros (aeroporto mais próximo). Há ônibus diários com vários horários entre essas cidades.

O Cânion do Talhado, ponto inicial da travessia, está a 28km de Porteirinha e a 6.5km de Serranópolis. Já a Cachoeira do Serrado, ponto final, está a 30km de Porteirinha. O trajeto entre Porteirinha e as localidades deve ser contratado localmente, pois não há transporte coletivo regular na área rural.


Para esta travessia utilizamos uma van para facilitar a logística. Outra opção é ir em veículo particular e contratar, localmente, serviço de resgate. Em 2019 fiz esta travessia (link do blog) e combinei com o dono de um pousada na região do Serrado. O veículo ficou na pousada e ele nos levou até o ponto inicial da travessia, no Talhado.


DIA 1: TALHADO X ABRIGO GERAIS SANTANA

Devido ao lapso temporal não me lembro muito bem ao certo, mas o Trilhando (Trekking e Natureza) tinha uma outra alternativa de caminhada para os dias 1 e 2 de fevereiro de 2020. Lembro de chegar no Robson e dizer: por que a gente não faz essa aqui? E apresentei a proposta. Sem oposições, já que um roteiro novo interessava todo o grupo, dei início aos trâmites para a travessia.


A travessia, oficialmente, havia sido liberada há pouco tempo pela direção do Parque Estadual Serra Nova e Talhado – PESNT. A unidade de conservação não permitia que a travessia fosse feita de forma autônoma, então contatei os guias locais e acertamos o roteiro. Pelo tamanho do nosso grupo, salvo engano éramos 18, tive que combinar a travessia com três guias: Wilson, Ana e um terceiro que não me recordo o nome ou apelido de jeito nenhum.


Falei que a turma era boa de andada e que faríamos o "pacote completo" em dois dias. Wilson, com quem eu tratava mais do assunto, certamente deve ter desconfiado da capacidade do grupo rs. Saímos de BH na noite de sexta, dia 31/01/2020, por volta das 21h00. A viagem foi uma aventura a parte! Não estávamos nem perto da metade do trajeto quando dois pneus da van simplesmente explodiram. Sim, não sobrou nada deles. Parada no meio do nada da rodovia, todo mundo desce da van, tiramos o que sobrou dos dois pneus e colocamos o único estepe, que visivelmente não havia sido calibrado antes da viagem. Cabe ressaltar que a van escolhida era um show de horrores.


Poço da Sereia

Rodamos por um bom tempo com um pneu no lugar onde deveriam ter dois. Com um pouco mais de pressa conseguimos calibrar o estepe para seguir com menos insegurança. Mais a frente, em uma parada, foi possível comprar um novo pneu para a van. O restante da viagem seguiu sem maiores emoções, porém o imprevisto custou algumas horas a mais de viagem e chegamos ligeiramente atrasados na pequenina Serranópolis de Minas.


Como o parque é cheio de regrinhas, uma delas era que a travessia deveria ser iniciada antes das 08h00, tendo em vista que a distância percorrida no primeiro dia é de aproximadamente 22km, quase sempre em aclive constante. Salvo engano, quando chegamos em Serranópolis o relógio já passava das 08h00 e ainda teríamos que tomar um café da manhã. Em uma conversa resolvi a questão do horário com Wilson e fomos até uma singela padaria de Serranólis fazer o desjejum. Aqui cabe mencionar que fomos até uma das melhores padaria do Brasil. Tudo de qualidade, recém feito e por uma bagatela que é de desacreditar. Comi bem e minha conta deu simplesmente DOIS REAIS.


Enfim, às 09h44 demos início à travessia no portal de acesso do Cânion do Talhado. Neste trecho inicial a trilha segue para leste, acompanhando o leito do rio Mosquito, em ligeiro aclive. Andamos pouco mais de 2.600 metros e já fizemos a primeira parada: Poço da Sereia. Parada providencial para tirar o banzo da viagem de quase 12 horas e também para refrescar, haja vista o calor que já fazia naquela manhã.


Retomamos a caminhada às 11h07 e continuamos na companhia do rio Mosquito. Ignoramos as trilhas que saem à direita e após 6,5km fizemos a travessia do rio. A trilha agora dá uma guinada para o norte, porém segue acompanhando as águas do rio Mosquito até chegar na cachoeira das Sete Quedas, onde arranchamos às 12h28. Parada para lanche e mais um banho.


Rio Mosquito

A Sete Quedas se trata de uma sequência de pequenas quedas e corredeiras do rio Mosquito, formando diversas piscinas naturais, excelentes para se refrescar. Ficamos aproximadamente uma hora por ali, afinal, havíamos percorrido só 1/3 da distância e já se passava da metade do dia.


Retomamos a caminhada às 13h38, subindo o leito encachoeirado do rio Mosquito pela direita. Mais acima o relevo estabiliza e nos afastamos do rio em favor de uma trilha discreta que segue pelos campos rupestres. Deixamos de ir na "raia olímpica", que fica logo acima das Sete Quedas, pouco após deixarmos o leito do rio em favor da trilha.


Em ligeiro aclive e pelos campos rupestres, a trilha favorece a manutenção de um bom ritmo. Logo passamos pelas pinturas rupestres, onde fiz somente uma breve parada. A caminhada segue no rumo predominantemente norte e reencontra o leito do rio Mosquito. Seguimos então pelo leito do rio, que não apresenta tantas dificuldades em virtude das formações rochosos ali presentes. Quase sempre se caminha por longos lajeados e não é preciso ficar pulando de pedra em pedra.


Após 9,9km percorridos deixamos o leito do rio Mosquito em favor de uma trilha que leva até a estradinha de uso interno do parque. São pouco mais de 2.500 metros pela estradinha, até o ponto onde há uma ponte molhada. Neste local, em vez de continuar pela estrada, que dá uma grande volta na serra para chegar ao Gerais de Santana, seguimos por uma trilha que mantém o rumo norte, acompanhando os capões de mata do rio Mosquito até a sua cabeceira.


Gerais Santana

A trilha cruza alguns capões de mata, porém na maior parte do tempo segue por um gerais em aclive. Neste trecho o trilho é mais sujo, denotando o pouco trânsito de pessoas na região. Passamos ao lado de uma erosão que levou boa parte de um antigo caminho e desembocamos no ponto culminante do primeiro dia, o famigerado Gerais Santana. O cerradinho logo dá lugar a um carrasco, com vegetação de porte arbustivo mais denso. Como estava caminhando de short e meia na canela, sofri um pouco com a rusticidade da vegetação, principalmente porque este trecho apresenta um emaranhado de trilhas sujas.


Reencontramos a estradinha já nas últimas horas do dia, beirando as 19h00. Logo cruzamos o córrego Sant'Ana e chegamos ao abrigo do parque, local de pernoite. O abrigo é relativamente pequeno, porém, mesmo com 21 pessoas no local, tinha espaço para todos cozinharem e se abrigarem sob a cobertura. Finalizamos o dia com uma boa janta e um descanso providencial nas beliches do dormitório (aliás, esta é uma possibilidade desta travessia, que falo mais no final).


Neste dia caminhamos 22km.



DIA 2: ABRIGO GERAIS SANTANA X CACHOEIRA DO SERRADO


O segundo dia é um pouco mais longo que o primeiro e também possui mais atrativos para serem visitados. Desta forma, acordamos mais cedo e saímos do abrigo às 07h25, após o desjejum. Mais um dia maravilhoso no Espinhaço Setentrional, uma manhã de céu limpo e com temperatura amena, afinal, apesar de estarmos próximo da divisa com a Bahia, estávamos a mais de 1.200m de elevação.


Seguimos pela estradinha interna do parque no rumo norte, sem maiores dificuldades. Após 3.200 metros chegamos a uma bifurcação importante. A trilha da direita leva ao distrito de Serra Nova, outra possibilidade de travessia do PESNT. Já a trilha da esquerda leva às cachoeiras do rio Serra Branca e foi o caminho que seguimos. O trilho feito por veículos do parque levam até o rio, que cruzamos pelas pedras. Uma plaquinha já avisa da proximidade da primeira cachoeira: Prainha.


A trilha se afasta brevemente do leito do rio Serra Branca e logo volta ao seu encontro, levando-nos direto ao poço da cachoeira, onde chegamos às 08h31, após 5,1km de caminhada. O sol mal iluminava o poço e as águas estavam bem refrescantes, para não dizer frias rs. Porém aproveitamos mesmo assim.


Cachoeira do Encontro
Cachoeira do Encontro

Depois de uma breve parada, descemos pelas rochas acompanhando o leito do rio Serra Branca, cruzando-o algumas dezenas de metros abaixo da cachoeira. Na outra margem uma trilha ainda em fase de consolidação vai subindo pelos afloramentos rochosos, até desembocar nos campos novamente.


O trecho pelos campos é curto, já que rapidamente voltamos aos afloramentos rochosos da encosta da serra, só que dessa vez para descermos. A trilha mergulha ao fundo do vale, em um trecho com algumas descidas íngremes. Na bifurcação, seguimos pela direita e logo cruzamos o córrego Sant'Ana. A trilha segue próxima ao córrego e o desatravessa mais abaixo, nas proximidades do "Poço do Encontro", das águas do Serra Branca e do Sant'Ana. Pelas rochas do leito seguimos até a cachoeira do Encontro que, no entanto, recebe as águas somente do Serra Branca.


Ficamos por quase uma hora na cachoeira, que é ótima para banho. Retornamos pelo mesmo caminho até a bifurcação com a trilha de quem vem da cachoeira da Prainha. Neste ponto parte do grupo saqueou um pé de manga, enquanto a outra parte seguiu a trilha para o abrigo.


Caminhamos no rumo sudeste, por uma trilha suja, ainda em consolidação. Próximo ao "poção" cruzamos um afluente do Sant'Ana e saímos em um trecho de carrasco, por onde seguimos em aclive até a cachoeira da Aliança. Devido ao adiantar da hora a passagem por aqui foi mais breve que nas demais cachoeiras.


Chegamos ao abrigo às 12h06, depois de percorrer 11km no circuito das cachoeiras. Breve parada para almoço e às 12h42 iniciei a marcha rumo ao fim da travessia. Neste trecho final o grupo se dispersou, tendo alguns gaiatos descido velozmente na dianteira, enquanto outros se enrolaram até demais.


Panorama Serra Geral

Na continuação da trilha, voltamos ao córrego Sant'Ana. Algumas dezenas de metros após sua travessia é preciso deixar a estradinha em favor de uma trilha que segue no rumo sudoeste. Por um relevo praticamento plano vamos tomando o rumo oeste, cruzando pequenos afluentes que são cruzamos em um passo. Aos poucos se descortina no horizonte o imenso cráton do São Francisco, uma gigantesca área de relevo rebaixado a oeste da Serra Geral do Norte de Minas.


Devido ao forte calor as paradas para apreciar a vista são raras. Aos poucos a trilha vai perdendo altitude e tão logo termina a primeira descida mais forte, temos uma bifurcação importante. Sigo pelo caminho mais sujo, da direita, para o "sitinho", tendo em vista que a trilha da esquerda leva ao pé da serra, levando às proximidades da cachoeira do Briz. A trilha suja me leva até uma casinha solitária no meio da serra. Depois dela a trilha fica ainda mais suja, levando até a "Lapa do Vô". No ano anterior este trecho estava bastante sujo, mas agora a trilha estava um pouco mais limpa e foi possível visualizar a saída da grota. Após alcançar o alto de um morro, a trilha discreta segue em ligeiro declive, acompanhando o vale. Mais abaixo contorno o Fundo dos Coqueiros, um poço de águas escuras extremamente convidativo, haja vista que a trilha que o precede é bastante exigente.


Em virtude do horário recuso o banho, afinal a prioridade era a cachoeira do Serrado. Sigo descendo pelo vale e mais abaixo cruzo a barragem Briz. Do outro lado a trilha está mais consolidada, denotando um maior uso. A trilha agora segue em ligeiro aclive, aproximando-se do rio Serra Branca, onde estão as várias quedas da cachoeira do Serrado.


Ao se aproximar do leito, a trilha vai beirando a encosta da serra, em um trecho que demanda cuidado, em virtude das pedras soltas e exposição à altura. Ignorei a trilha que leva às quedas superiores do Serrado e enfrentrei um forte declive que me leva ao topo da última cachoeira. Após apreciar a vista, dei início a descida.


O trecho foi melhorado, se comparado com o ano anterior. Agora compõem a trilha diversos guarda-corpos, além de cabos de aço e cordas para auxilar no trajeto. Afinal, trata-se do trecho maios íngreme de toda a caminhada, com diversos degraus, e a exposição à altura é um risco.


Cachoeira do Serrado

A forte descida termina nos arredores da área de estacionamento da cachoeira do Serrado. De lá seguimos pela trilha que leva ao poço da cachoeira, cuja aproximação não possui dificuldades (principalmente para quem acabou de encarar a travessia do PESNT). Enfim, às 17h08 cheguei ao poço da cachoeira, após 24,5km de andada, onde tomei o último banho antes de retornar à Belo Horizonte.


A van nos esperava na área de estacionamento da cachoeira. O grupo inteiro se reuniu para lá das 18h00, quando já escurecia no local. De lá seguimos para Porteirinha, onde jantamos e seguimos praticamente sem paradas até BH. Como não poderia deixar de ser, mais um perrenguinho no trajeto. Desta vez o local que escolhemos para jantar ficou sem gás e os pedidos hemoraram mais de 2 horas para serem atendidos. Tal atraso fez com que chegássemos por volta das 08h00 no centro de BH e eu cheguei em casa lá pelas 09h00, só para tomar um banho, trocar de roupa e enfrentar um belíssimo dia de trabalho!


OBSERVAÇÕES:

A travessia deve ser requisitada junto à gerência do Parque Estadual Serra Nova. Até fevereiro de 2020, a travessia só poderia ser feita acompanhada dos guias locais, credenciados pelo PESNT.


Percurso de dificuldade entre moderada e alta para pessoas experientes, os principais desafios estão nos trechos de trilha suja ou inexistente, os aclives e declives acentuados, trechos de escalaminhada e exposição à altura, além do calor que é muito forte na região.


Esta travessia está inserida em uma unidade de conservação estadual, NÃO FAÇA FOGUEIRAS e LEVE SEU LIXO DE VOLTA.


Já que a recomendação do Parque é realizar o pernoite nas proximidades do abrigo, a barraca pode ser dispensada da travessia. É possível bivacar na varanda do abrigo ou mesmo, se houver vaga, dormir nos beliches. Pode ser averiguado também a utilização dos utensílios e da cozinha do abrigo, dimuindo de sobremaneira o peso a ser carregado.


Há sinal de telefone (VIVO) no caminho entre o abrigo e a cachoeirinha e na “beirada” da serra e parte baixa próxima ao Serrado. Boa disponibilidade de água ao longo da rota, embora o montanhista deva se atentar para trechos longos sem água, como o trecho após a ponte molhada do Rio Mosquito (caso seja feito a pé) e no segundo dia, após a passagem pelo Córrego Sant’Ana.


A principal rota de escape da rota seria, ao invés de tomar o trecho de trilha suja para a cachoeira do Serrado, descer direto a serra pela trilha consolidada, que leva à parte baixa da cachoeira do Briz. Possibilidade também de se tomar a estradinha do parque ou uma trilha (caminho mais curto) para a vilarejo de Serra Nova, pertencente a Rio Pardo de Minas.


Esta travessia tem algumas variantes, no entanto é preciso ter o consentimento do PESNT. Dentre as alternativas, citam-se: descer pelo cânion do Serrado desde a cachoeira do Encontro; seguir desde o abrigo Gerais Santana para o distrito de Serra Nova ou seguir no rumo norte para a região de Mato Verde (trajeto mais longo).

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