04/04/2020

Serra do Cipó: Circuito Lagoa Dourada x Braúnas

O extremo sul do Espinhaço é uma região que, sabidamente, oferece diversas possibilidades de trilhas e travessias. Em busca de fechar mais um circuito na região, embarcamos, a Lidi e eu, para Altamira, um vilarejo pertencente ao município de Nova União.

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Lá iniciamos e finalizamos um circuito que contemplou os dois principais atrativos das redondezas: o vale da Lagoa Dourada e a cachoeira Braúnas.

Dia 1: Altamira x Ribeirão Bandeirinhas

Na manhã de sábado, 21 de setembro, a Lidi me pegou em casa e embarcamos pra um circuito na porção meridional do Espinhaço. Em vez de seguir o caminho “tradicional”, resolvemos ir por uma rota alternativa, passando por Santa Luzia e Taquaraçu de Minas, até chegar em Nova União na altura da vila de Carmo da União.

Depois de deixar muitas plantações de banana para trás, desembarcamos às 9:35, nas proximidades do Eco Resort de Altamira. Deixamos o carro em um espaço na beira da estrada, próximo do portão de entrada da hospedagem. Então, continuamos pela estradinha de terra, agora caminhando, em direção ao Eco Resort, que aparentemente tem acesso livre. Subimos um pouco pela estradinha e saímos ao lado de um bangalô/chalé. Ali tomamos à direita, em uma trilha que seguia margeando a mata e logo dobramos à esquerda em uma outra trilha, que continuava a subir a serra.

O sol já dava as caras com força e agradecemos pela trilha se embrenhar nas vertentes do rio Preto, onde segue sob as copas das árvores típicas de mata atlântica. Sempre em aclive vamos ganhando altitude rapidamente. A vegetação vai se modificando. Vemos uma das quedas do rio Preto, aparentemente uma cachoeira inacessível. Com as árvores já se tornando objetos raros, desembocamos nos campos de altitude característicos do topo da Serra do Espinhaço.

Seguimos para o norte, em ligeiro aclive, rumo às cabeceiras do rio Preto. Passamos por um pequeno afluente às 10:19. Cortamos também outras drenagens do rio Preto, completamente secas pela forte estiagem que assola o Espinhaço nesta época. Próximo das nascentes, agora a trilha se direciona para noroeste, aproximando-se do trilho consolidada que sai de Altamira e segue até o vale da Lagoa Dourada.

Eis que surge o vale da Lagoa Dourada

Às 11:14, depois de percorrer 4,5km, cruzamos o rio Jabuticatubas, que nos acompanha de agora em diante. Enquanto o rio encara uma sequência de quedas e degraus até o fundo do vale, nós encaramos uma descida acentuada pelas vertentes, com muito cascalho solto e piso irregular. Após 25 minutos de descida mais forte reencontramos o rio para cruzá-lo mais uma vez. Passamos pelas pedras dispostas no leito raso e tranquilo. Do outro lado prosseguimos numa trilha discreta em meio aos campos.

Daqui até a cachoeira da Lagoa Dourada a trilha segue, praticamente, em nível, com leves ondulações no terreno. Aqui a caminhada se dá, basicamente, pelo rumo, já que há diversas trilhas paralelas, ora mais consolidadas, ora mais discretas. Neste trecho cruzamos diversos afluentes do rio Jabuticatubas que descem pelo patamar mais elevado da serra da Lagoa Dourada, à esquerda. Após 9,7km, às 12:45 cruzamos o rio Jabuticatubas pela terceira e última vez, agora próximo ao topo da cachoeira. Demos uma voltinha no topo da cachoeira, onde pudemos observar parte do cânion que rasga a borda oeste da serra. Depois descemos até o poço, onde fizemos uma hora, aproveitando para fazer um lanche mais reforçada e tomar um banho refrescante.

Às 13:55 retomamos a caminhada, subindo até o topo da cachoeira e de lá tomando a trilha bem consolidada que segue para São José da Serra. A caminhada segue em ligeiro aclive, atravessando os campos recém queimados da Lagoa Dourada. Após o topo do morrote a trilha inicia uma ligeira descida. Na bifurcação deixamos o caminho mais consolidado, que segue para São José da Serra, em favor de uma trilha mais discreta que desce para o vale do ribeirão das Areias e Serra do Cipó. No entanto, tão logo tomamos o caminho da direita, entramos numa trilha ainda mais discreta que segue para leste, em direção ao paredão da serra da Lagoa Dourada. Depois de um breve declive, iniciamos a subida desse degrau da serra. A subida é forte e o sol mais ainda, fazendo com que o ritmo seja bem cadenciado. Quase do alto da serra, olhando para o norte, vemos o vale do ribeirão das Areias com suas matas galera e o prolongamento da serra da Lagoa Dourada, de menor altitude. Também é possível observar algumas antenas e edificações lá no distrito de Serra do Cipó.

Logo que chegamos ao platô no topo da serra, a trilha descreve uma curva para o sul, passando a fazer um caminho paralelo ao que percorremos até então. No topo da serra também estava tudo sapecado pelo fogo, de forma que eram mínimos os trechos cobertos por alguma vegetação. Somente o traçado de uma trilha antiga e as rochas. Ainda assim um belíssimo lugar. Vamos caminhando no rumo sul-sudeste, nos aproximando de alguns morrotes. Tão logo chegamos próximo a eles, enfrentamos uma nova subida, com alguns degraus em meio às rochas multifraturadas. De alguns pontos também era possível observar parte do vale do ribeirão Bandeirinha e serra homônima, lá pros lados da cachoeira da farofa.

Platô superior da Serra da Lagoa Dourada

Em ligeiro declive, adentramos em uma parte (ainda) não tomada pelos últimos incêndios no Parque Nacional da Serra do Cipó. Descemos pelos campos, por uma trilha consolidada, embora com aparência de pouco uso. Em determinado momento da descida, quando já nos direcionávamos para leste, abandonamos a trilha para seguir direto para o córrego dos Confins, onde encontramos uma trilha na sua outra margem. Por esta nova trilha seguimos algumas centenas de metros para o sul, até tomamos à esquerda numa trilha discreta que seguia para leste.

Atravessamos o morrote e chegamos a outro braço do córrego dos Confins. Diferentemente do curso anterior, aqui a água estava mais corrente, embora ambas estivessem limpas e aptas para o consumo. Às 16:34, depois de percorrer 18,2km, demos início a última subida do dia, já com a luz dourada do sol iluminando os campos da serra dos Confins.

Embora constante, a subida não é tão pesada. Em alguns trechos a trilha se torna discreta e a vegetação de gerais não é tão amigável quanto aos campos. Após passar por um trecho de capim alto, onde está uma das nascentes do córrego dos Confins, a trilha estabiliza e logo começa uma forte descida rumo ao ribeirão Bandeirinhas. Um pouco mais suja, em virtude da vegetação típica de gerais, onde prevalecem pequenos arbustos, ervas e gramíneas, a trilha segue no rumo nordeste, serpenteando entre os afloramentos rochosos. Cruzamos um afluente do ribeirão Bandeirinhas e logo saímos em uma área mais limpa, onde a trilha fica mais nítida. Seguimos por aquele trilho em direção ao norte, de encontro ao ribeirão. A trilha vai se tornando cada vez mais suja e passa a ter um aspecto de caminho de enxurrada. Já quase na margem do ribeirão, o caminho some por completo, bastando seguir o restante entre os tufos de capim e canela-de-ema.

Ribeirão Bandeirinhas

Na última luz do dia chegamos ao ribeirão Bandeirinha. As margens ali não eram nada amigáveis à montada de barraca, com muitos tufos e cascalho. Como o cair da noite era inevitável, resolvemos primeiro tomar um belo banho de rio, depois de um longo dia cortando trecho. Devidamente banhados e de roupa limpa, colocamos as cargueiras nas costas e subimos pelo degrau da outra margem do ribeirão. Seguimos algumas centenas de metros entre inúmeras canelas-de-ema, avançando pelo trecho que eu tinha planejado de percorrer no dia seguinte. A pouco mais de 200 metros do Bandeirinha encontramos uma área ligeiramente inclinada e limpa, onde era possível montar a barraca e passar a noite sem sofrimento.

Encerramos o expediente às 18:50, depois de percorrer 23km. Depois de armado o acampamento, fomos jantar – e nada melhor que levar uma janta pronta! Foi só dividir o rango e mandar bala. A noite foi de céu aberto e estrelado, além de temperatura bem agradável.

Dia 2: Ribeirão Bandeirinha x Altamira

A manhã foi bem preguiçosa ali naquelas bandas do Bandeirinha. O dia amanheceu com céu aberto, com pouquíssimas nuvens. No fim do dia anterior, percebi que perdi meu chapéu na trilha e aproveitei a mansidão para ir atrás dele. Com o solão que estava prometendo, andar sem chapéu seria um sofrimento danado. Então retornei pela trilha do dia anterior em busca do dito cujo. Encontrei-o a uns 15 ou 20 minutos do acampamento, no fim do trecho repleto de arbustos.

De volta ao acampamento, organizamos as cargueiras e tomamos um café demorado. A preguiça tinha justificativa: o nosso principal atrativo do dia estava a alguns quilômetros dali. Às 9:39 deixamos o ponto de acampamento e o sol já demonstrava que não facilitaria nossa jornada. Encontramos o rastro de uma trilha antiga e por ele seguimos até um capão de mata, quando este caminho desaparece. Próximo a esse capão o capim e os arbustos estavam altos e bem juntinhos, o que fez com que tivéssemos trabalho para nos aproximar da drenagem que passava no miolo da matinha. Depois de idas e vindas, em busca das melhores passagens, enfim chegamos à drenagem. Porém, pra nossa infelicidade, tratava-se de uma grota profunda no terreno, certamente com 2 metros de profundidade ou mais, além das paredes verticais. O que daria um trabalho da zorra pra ser superado, sem falar que o interior da grota estava bem sujo com troncos, galhos, folhas… Depois de pensar por um minuto, tomamos a decisão que deveríamos ter tomado logo que chegamos ali: contornar a matinha!

Entrada do cânion, subida pelo ribeirão

Retornamos até o ponto onde a trilha desaparecia e ali subimos o terreno, margeando a drenagem, até um ponto próximo ao sopé da serra, onde a vegetação era mais esparsa e menos rebelde. Cruzamos com alguma facilidade e mantivemos a posição alta no terreno, já que uma outra drenagem se aproximava. Passamos pela segunda e seguimos em linha reta em direção ao córrego da Garça/Mutuca, no final do cânion da Braúnas. Próximo ao leito tomamos uma trilha suja que embrenha entre os arbustos e nos deixa na desembocadura do cânion. A Lidi chegou por ali morrendo de sede, quase desidratada rs. Abastecemos nossas garrafinhas e ela deve ter tomado um litro e meio de água em segundos! Rsrs.

Depois que ela completou o nível de água do radiador, seguimos pelo leito do córrego, tocando pra cima! A caminhada é ligeiramente tranquila, ao menos durante a estiagem. Existem diversos pontos de passagem e em nenhum momento precisamos retirar as as botas. A Lidi bebeu mais algumas garrafas d’água pelo caminho até que, às 11:54, chegamos ao enorme poço da cachoeira Braúnas. E o melhor: só nossa!

Deixamos nossas coisas em uma das sombras e fomos logo tratar de entrar na água. Lido nadou tal qual um peixe, e olha que ela não sabe nadar direito rs. Almoçamos, bronzeamos e cochilamos por lá até que, às 14:20, resolvemos bater em retirada. Pensa numa lua!

Sempre magnífica: Braúnas

Enfrentamos o forte aclive da trilha que retorna pra Altamira. A cada minuto uma olhadinha pra trás, pra admirar a formusura que é aquele conjunto de quedas e poços formados pelos córregos Garça e Mutuca. Em ritmo lento finalizamos a parte mais pesada da subida, momento que a trilha dá uma guinada para sul. Dali de cima já é possível ver com mais propriedade uma nuvem cinzenta, que já havia avistado lá do acampamento, pela manhã. Quando terminamos a subida veio a surpresa: fogo! E em nossa direção!

Continuamos na trilha, seguindo pelos campos daquela porção do Espinhaço, cada vez mais próximos do trecho em chamas. Era uma linha de fogo que lambia de um lado ao outro do platô, sem respeitar capão de mata ou grotão. Não tinha como desviar, o jeito era esperar pelo momento mais propício e atravessar. De toda forma as labaredas não estavam muito altas, com mais ou menos um metro de altura na parte de campina, isso quando o vento soprava.

Já próximo da linha de fogo, umidificamos nossas toalhas e enrolamos ela no rosto. Ficamos a uma distância de 10 ou 15 metros das chamas, aguardando o vento cessar. Tão logo o vento deu uma arrefecida, chamei a Lidi e corremos em direção ao fogo, passando rapidamente pela linha de frente. Do outro lado, como a vegetação local é rasteira e de gramíneas, as chamas consomem todo material rapidamente e apagam. Ufa!

Fogo nos gerais!

Seguimos normalmente pela trilha, o risco de enfrentar uma outra linha de fogo dessa seria mínimo, já que era possível perceber que quase toda aquela porção do parque estava queimada. Avistamos 3 ou 4 brigadistas que combatiam as chamas remanescentes no interior de um capão de mata. Às 16:20 passamos pelo ribeirão Bandeirinha, ainda pequeno, após percorridos 7,6km.

A outra margem ainda estava intacta, mas parecia que só por um breve momento, pois uma linha de fogo vindo do norte se aproximava. Iniciamos uma subida moderada por essa vertente do ribeirão Bandeirinha e logo a trilha estabilizou. Cruzamos mais um afluente do ribeirão e em ligeiro aclive seguimos até a saída do Parque Nacional. Bem próximo dali, ainda no interior da unidade, foi construído um abrigo para os brigadistas do parque, coisa que não existia um ano atrás.

Assim que saímos do Parque, atravessamos uma espécie de garganta na serra da Mutuca, tão logo iniciamos uma descida com alguns degraus, em direção ao fundo do vale do rio Preto, onde começara a jornada. Às 17:55 chegamos à estradinha de acesso, isto é, o fim do trecho por trilhas. Aí foi um longo declive entre os sítios da região, sem qualquer movimento fora de algumas casas.

Fim de tarde na Serra da Mutuca

Caminhamos por mais 3,7km pelas estradinhas, sentido Eco Resort de Altamira, onde chegamos às 18:45, já no escuro. Acomodados no carro, retornamos pela estradinha, resgatando as cargueiras que ficaram no meio do caminho. Depois foi só seguir até Belo Horizonte, pelo mesmo caminho que fizemos na ida. E assim terminou mais uma jornada pelo Espinhaço, sempre nos reservando bons momentos e algumas emoções não programadas rs.

Neste dia caminhamos 17km, totalizando 40 em dois dias de caminhada.

LOGÍSTICA:
Como se trata de um circuito, a logística é facilitada, de forma que é possível ir em veículo particular. Dito isto, tendo como referência BH, a caminhada tem início em Altamira, distrito de Nova União, a cerca de 80km da capital. O acesso principal é via BR-381, saída para o Espírito Santo/Vale do Aço. O acesso alternativo é via Santa Luzia – Taquaraçu de Minas – Carmo da Uniãoque evita a BR-381, mas possui um trecho de terra mais extenso.

A logística também pode ser feita em transporte coletivo, com saída no Terminal São Gabriel, em BH. Verificar no site do DER os horários da linha 4882 (N. União x São Gabriel) e a respectiva tarifa. De Nova União sai o ônibus rural da Transtatão, com destino a Altamira, normalmente o horário deste ônibus é alinhado com as partidas e chegadas do ônibus do DER.

OBSERVAÇÕES:
Circuito de dificuldade moderada, alguns trechos não possuem trilha definida ou a trilha é discreta, em um trecho curto é preciso andar pelo leito do córrego da Garça-Mutuca, o que demanda atenção principalmente na época chuvosa. Nessa época é bom ter atenção também com as travessias dos cursos d’água existentes ao longo da rota.

Uma parte da caminhada é feita nas terras do Parque Nacional da Serra do Cipó. Sugere-se contato com a gerência do parque antes de realizar essa caminhada.

SEJA DISCRETO, LEVE SEU LIXO DE VOLTA, NÃO FAÇA FOGUEIRAS, FECHE AS PORTEIRAS/TRONQUEIRAS QUE PASSAR, SEJA CORTÊS COM OS MORADORES LOCAIS.

Uma rota de escape interessante para a rota é a saída para São José da Serra, no trecho próximo da cachoeira da Lagoa Dourada. Em outras partes do trajeto é mais interessante considerar o retorno ao ponto inicial. Há sinal de telefone (VIVO) em alguns locais, principalmente nos pontos mais altos ou quando é possível visualizar as antenas na região da Serra do Cipó.

Há boa disponibilidade de água ao longo da rota, porém o caminhante deve se planejar para enfrentar os trechos relativamente curtos sem disponibilidade hídrica. Considero a autonomia de 1L o suficiente. Boa parte da caminhada é feita em áreas abertas, de forma que chapéu e protetor solar são itens obrigatórios.

Atenção com a ocorrência de incêndios no auge do período da estiagem e com as cheias repentinas ou mesmo alto nível dos cursos d’água no período chuvoso.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Alison Oliveira07/07/2022, 08:17

    Que triste ver toda essa área queimada. Estive recentemente na lagoa dourada e a natureza está se recompondo. Mas é triste, durante a caminhada, ver várias vegetações com cicatrizes. Belo relato. Parabéns!

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