08/12/2019

Serra do Caraça: Agulhinha, Baiano e Sol

Uma série de planos fracassados fez com que eu optasse por algo mais próximo de BH, mas nem por isso menos interessante. Chegou a vez e a hora de explorar um pouco melhor a face leste da Serra do Caraça e os gigantes de rocha do Espinhaço – ou não seria Espinhaço?




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Dia 1: Catas Altas x Baianinho (+ Agulhinha e Baiano)

Saí de BH por volta das 06:00 do segundo dos quatro dias de feriado/recesso. O solstício de inverno acabara de acontecer, então a chegada dos dias mais curtos me obrigava a chegar o mais cedo possível. Viagem demorada pela BR-381, com muitos quebra-molas e veículos lentos, mas às 7:49 eu deixava a praça da Igreja de Nossa Senhora da Conceição e partia em direção ao início da trilha.

Visual da porta da igreja

Ainda dentro da cidade cruzei o Ribeirão Maquiné e segui as orientações para o Pico Catas Altas (ou Horizontes ou Agulhinha). Nove minutos após minha partida da Igreja e eu já estava defronte à porteira que marcava o início da caminhada. Deixei a moto meio camuflada na vegetação lateral daquela estradinha e ajeitei as tralhas para dar início à caminhada o quanto antes.

A caminhada tem início em uma estradinha vicinal, de acesso à propriedade. Na porteira que logo pulei um aviso sobre o acesso controlado e o risco de vida em virtude da apicultura no local. Rapidamente avanço pelo longo aclive, tendo no horizonte o primeiro objetivo praquele dia: Pico Agulhinha, iluminado pelo sol que vem do leste.

Com pouco mais de 600 metros de caminhada a estradinha dá uma estabilizada e segue em ligeiro aclive. Passo por um bambuzal e próximo a umas colmeias escondidas em meio a mata. Mantenho à esquerda em uma bifurcação que passa despercebida e logo chego a um pequeno afluente do Ribeirão Maquiné. Passo direto pelo local e a estradinha dá lugar a uma trilha estreita tomada pelas samambaias em suas margens. Mais acima caio no leito da antiga estradinha, também dominado pelas samambaias. A subida ganha uns graus de inclinação e o terreno escorregadio já dá o ar da graça.

Às 8:56 cruzo o Ribeirão Maquiné e, definitivamente, deixo a estradinha para trás. A caminhada agora é por uma trilha bem consolidada em meio à mata atlântica característica da região. Pouco mais acima passo por um trecho bem úmido, por onde uma nascente escorre e forma um atoleiro na trilha. 14 minutos mais tarde, depois de percorrer 2,2km, cruzo o Maquiné pela segunda vez, agora no pé de uma queda d’água com um pequeno pocinho de águas claras. Trata-se da Cachoeira do Meio, o último ponto de água da subida. Como estava bem abastecido, com quase 2L de água, passo direto pelo local. Logo acima passo também por uma área interessante para acampamento e é aí que o caldo começa a entornar rs.

A trilha continua bem demarcada debaixo dos capões de mata, mas agora a inclinação A dificuldade é moderada para experientes, entre os principais se torna absurda para os padrões do Espinhaço: são quase 900 metros de ganho de elevação em pouco mais de 2,4km de caminhada até o Pico do Agulhinha. Tento manter um ritmo constante, com pausas curtas para tomar fôlego. Aos poucos a vegetação de mata atlântica vai dando lugar aos afloramentos rochosos e a vista de Catas Altas e região surge quando olho para trás.

A caminhada muda de patamar e vários são os trechos de trepa-pedra e escalaminhada, com alguma exposição à altura. Setas e totens vão sinalizando o caminho, que, por ser sobre as rochas, se mostra confuso em alguns pontos. No famoso “toca pra cima”, a face leste do Agulhinha vai ficando cada vez mais ressaltada na paisagem. Alguns “colos” no morro dão o refresco necessário para continuar subindo na sequência.

Às 10:36 passo por uma água fraquinha que escorre pela pedra e 7 minutos mais tarde chego à base do Pico Agulhinha, onde paro para fazer um lanche. Escuto algumas vozes e logo aparecem 4 ou 5 rapazes, todos jovens, retornando da Mancha, local onde dormiram a noite anterior. Durante a subida, caído ao lado de uma erva, havia encontrado o cartão de crédito de um deles. Chamei pelo nome que estava no cartão e todos fica surpresos, mas logo dei fim ao mistério falando o que tinha encontrado durante a subida.

Agulhinha

Enquanto os rapazes preparavam uma grelha para fazer o almoço, fiz um lanche rápido e às 11:05 deixei a base do Agulhinha. Tinha aproximadamente mais 700 metros de escalaminhada até o cume, tendo em vista que o ganho de elevação nessa distância era de quase 300 metros. A trilha de ataque ao pico deixa o capão de mata e logo se embrenha pelos campos rupestres. Aproveito alguns arbustos ao lado da trilha para guardar a mochila e dar sequência ao ataque.

Como o trecho final é percorrido, basicamente, sobre lajes e afloramentos rochosos, a trilha não é bem demarcada, devendo ter atenção às setas e eventuais totens pelo caminho. Depois de subir por uma canaleta, a trilha faz uma curva suave até tomar o rumo sul, nesse meio tempo tem pelo menos um trecho bem exposto para vencer, onde é preciso se agarrar às pequenas saliências da rocha para ter aderência para a subida. Após as passagens mais críticas, enfim, às 11:32, depois de 4,9km de caminhada/escalaminhada, conquisto o cume do Agulhinha, onde o GPS marcou 1.823m, contra os 1.810 da carta topográfica de Catas Altas.

O tempo que estava bom em boa parte da manhã agora se mostrava mais arredio, com nuvens baixas que, por ora, tampavam o visual para Catas Altas. Ao sul, era possível avistar o profundo vale do Córrego Quebra Ossos, encaixado entre os gigantes de rocha: Pico do Baiano e do Sol. O vento cortava forte e a chegada de nuvens baixas fez com que eu deixasse o local cerca de 20 minutos após minha chegada.

Visual para Baiano e Sol, ambos encobertos

A descida do Agulhinha foi ligeira e em pouco mais de 20 minutos eu já estava na base do Baiano, local onde havia encontrado o grupo de rapazes. Agora ouvia um barulho de cachorro nas redondezas. Às 12:18 parti no rumo sul, sentido Pico do Baiano, para enfrentar uma trilha com pouquíssimas informações disponíveis.

Vou ladeando o paredão do Baiano e com alguns minutos de caminhada percebo uma dupla na minha frente, acompanhados por um pequeno cachorro rs. A trilha segue bem demarcada e estável, às vezes em ligeiro declive, o que era um alívio depois de tanta subida. Passo pelo grupo e também por um lajeado, onde escorria uma aguinha bem fraca.

Às 12:38, após 8km cravados, chego ao local conhecido como Mancha, ponto de acampamento. A parte final da trilha, logo antes do acampamento, é um pouco suja entre afloramentos rochosos e vegetação de campos rupestres. A área é ampla, porém rochosa, o que deve ser considerado por quem não possui barracas autoportantes. A cerca de 150 metros dali, à leste, há uma boa fonte de água no interior de uma grota. Tratei então de abastecer minhas garrafinhas, dali em diante caminharia na cumeada sem qualquer chance de encontrar água corrente.

Depois de uma conversa com a dupla acompanhada pelo cachorro, retornei à trilha. Bruno, que morava em Catas Altas, me deu ideia sobre uma trilha que ele tinha feito que subia a cumeada do morro bem em frente ao acampamento. Dali de baixo parecia totalmente improvável chegar à crista, ainda que ele tenha falado que existia uma fenda por onde a subida era possível. Mal sabia o que estava por vir rs.

Despedi dos dois e tomei um caminho que levava em direção a uma drenagem na parte mais baixa do terreno. A trilha desapareceu, então tratei de pular os blocos empilhados sobre a drenagem e varar algum mato na margem oposta. Sem qualquer sinal de trilha! Ganhei alguma altitude e vi Bruno na outra margem, indicando que a fenda estava mais à direita (estando de frente pra serra). Então lá fui eu, ignorando os arbustos e capins que tinha pela frente. Alguns minutos mais tarde chego na tal fenda, uma rugosidade na rocha matriz onde alguns arbustos conseguiram se instalar. À direita percebo alguns tufos de capins pisados, havia encontrado o “caminho”. Agora era tocar pra cima. E que tocada!

A subida é total na aderência, com bastante exposição. São pouco mais de 150 metros de ganho de elevação em 400 metros “horizontais”. A medida que me aproximo da cumeada a inclinação do terreno vai atenuando e a caminhada se aproxima da normalidade. Às 13:48 chego à cumeada, um ligeiro platô parecido com a Mancha, no entanto bem mais exposto à ventania.

Retomo a direção sul, caminhando entre os campos rupestres do alto da serra. O trajeto segue, basicamente, pela cumeada da serra, desviando das fendas e inclinações excessivas. Nos trechos de capim é possível ver um resquício de trilha, o que indica que estou no caminho certo. Após 9,5km de caminhada chego a uma fenda profunda com inúmeros blocos empilhados. Em virtude da altura não é possível seguir o caminho óbvio, para o sul. Neste ponto é preciso derivar um pouco para a direita (sentido Baiano) e tomar uma trilha discreta que desce pela lateral dos blocos. A descida é forte e rapidamente chego a um patamar mais baixo, entre a vegetação de campos rupestres, com muitas vellozias.

Continuo no rumo do Baiano, em ligeiro aclive. A trilha agora se aproximada da borda oeste da cumeada, proporcionando uma visão privilegiada do vale do Quebra-Ossos e algum sinal de telefone. Às 15:02 chego ao acampamento do Baianinho, logo antes de iniciar a descida que precede a subida final para o Baiano e pro Sol. Aliás, os dois picos estão logo ali, a minha frente, porém as nuvens baixas impossibilitam o visual.

Deixo a cargueira na área de acampamento, que deve ter espaço para umas 3, no máximo 4 barracas pequenas e inicio o ataque ao Pico do Baiano. A descida é bem pesada até a base, com vários degraus e pontos de exposição, no entanto chego ao pé do morro rapidamente. Identifico uma bifurcação e sigo pela esquerda, já que o outro caminho leva ao fundo do Quebra Ossos. A partir daí a subida é por uma rampa íngreme e extensa. Sigo no GPS, já que o visual não ajuda. Evito os trechos ainda mais íngremes e vou ganhando altitude. Às 15:38, após 12km de caminhada/escalaminhada, enfim, conquisto o Pico do Baiano. Do alto dos seus 2.033 metros de elevação vejo muito pouco ou nada. O teto está baixo e as nuvens espessas. Deixo meu registro no livro de cume e, ligeiramente desapontado pela falta de visual, inicio o retorno para o acampamento base.

Baiano visto do Baianinho

O retorno é bem mais rápido que a ida e após 32 minutos estou novamente no Baianinho. O visual melhora e piora repetidas vezes, até o fim do dia. O restante da tarde foi dedicado às tarefas de acampamento. O cansaço da viagem + trilha bateu forte e apaguei durante a noite.

Neste dia caminhei 12km.

2º dia: Baianinho x Sol x Catas Altas

Acordei um pouco antes do nascer do sol, coloquei a cara pra fora da barraca e o visual não era nada animador. Teto baixo, visual inexistente. Enrolei na barraca na expectativa que o calor do dia desse uma espantada nas nuvens. Foi uma longa disputa interna entre: “bora assim mesmo!” e “melhor deixar pra próxima...”. Fiz o desjejum aplacado pela preguiça. Cadê aquela visual bacana do inverno???

Depois de uma longa batalha, venceu o lado da emoção. Bora assim mesmo, pelo menos pra conhecer o caminho e atestar a viabilidade rs. Às 8:35 deixei o Baianinho pelo mesmo caminho que me levou ao Baiano na tarde anterior. Rapidamente chego à bifurcação e tomo agora o caminho da direita. A trilha, mais suja, vai descendo rumo ao Córrego Quebra-Ossos. Aproveito a oportunidade e o facão para dar uma limpada no caminho.

Às 8:47 chego a uma pequena quedinha do Quebra-Ossos, onde faço a coleta de água. Subo por aderência pela direita da queda e viro à esquerda, retomando o rumo sul, seguindo por um lajeado. Próximo ao córrego outra vez, percebo uma trilha bem discreta embrenhando na vegetação rasteira. Sigo alguns metros e ela logo acaba. A vegetação também fica mais encardida com a proximidade da água e descer para o leito parece a melhor escolha.

O acesso ao córrego Quebra-Ossos não é dos mais simples, mas me penduro em um galho quase caído e chego ao leito. Vou pulando pedrinhas por algumas dezenas de metros até sair em uma área mais ampla, ponto que avanço pela margem à direita. No encontro do Quebra-Ossos com um afluente de menor porte que vem do oeste, saio do leito e inicio a subida final do Pico do Sol.

Único momento de céu limpo na ascensão

A caminhada segue para sudoeste, vou subindo por aderência, me orientando pelo GPS, já que o visual estava comprometido. Evito alguns trechos bem íngremes e as manchas de arbustos e gramíneas. Próximo ao topo o tempo abriu num átimo. De repente tudo estava valendo a pena rs. A alegria, no entanto, durou pouco, o suficiente para tirar algumas fotos com o céu azul.

Às 9:27, depois de um ganho de elevação superior a 300 metros em menos de 1km de caminhada, chego ao ponto culminante da Serra do Caraça e do Espinhaço: Pico do Sol e seus 2.087 metros de elevação. Não lembro se assinei o livro rs. As nuvens baixas e o vento incessante fizeram com que eu ficasse ao pé da pequena cruz do cume. Sem sinal de melhoria no tempo, comecei a descer às 9:50, agora direto para Catas Altas!

Pra baixo todo santo ajuda, ainda mais só com mochila de ataque. Às 10:38 estou de volta ao Baianinho, recomponho a cargueira e continuo a caminhada. As nuvens vão se dissipando e Caraça vai mostrando toda sua beleza e imponência. Vou admirando o Agulhinha enquanto tento voltar pelo mesmo caminho da ida.

Às 11:42 chego ao ponto final da crista e começo a descida pesada até o acampamento da Mancha. Agora é fácil acertar o caminho e em 25 minutos chego à Mancha, pronto para descansar e lanchar. Coloca a cargueira no chão e logo percebo que perdi algo na trilha… cadê meu isolante? Deixo a cargueira na Mancha e dou um pique, dentro do possível rs, morro acima. Quase na metade da subida encontro o isolante caído… ufa! Talvez eu deva comprar um isolante inflável pra conseguir guardar tudo dentro da mochila rs.

Visual do retorno, com Agulhinha em destaque

Às 12:09, depois de 4,6km desde o Pico do Sol, inicio a descida da Mancha. Teste de resistência para joelhos, tornozelos e músculos dos membros inferiores. Desço no modo expresso, a fim de acabar logo com o sofrimento. Às 13:49, após 7,1km, faço uma parada prolongada na Cachoeira do Meio, para dar uma resfriada no sistema de freio. A partir de agora a descida era mais suave e o desgaste no conjunto seria menor. Em bom ritmo sigo descendo a serra, já sentindo o calorão da parte baixa. Às 14:34, com 9,4km caminhados desde o Pico do Sol, chego à porteira onde a motinha me esperava, da mesma forma que havia deixado. Ufa! Quanto sofrimento nessas pirambeiras!

Com mais um dia livre pela frente, segui de Catas Altas para Ouro Preto, precisamente para o Parque Estadual do Itacolomi, onde subi o pico homônimo no dia seguinte. Comparado com o Caraça, foi um passeio no parque. Depois foi retorno a BH e volta ao trabalho. Ainda é só o começo da temporada de inverno!

Neste dia caminhei 11km.

COMO CHEGAR:

Tendo em vista o formato de bate-volta, com pernoite, a logística para esta trilha é relativamente simples. Deslocamento até Catas Altas, que pode ser feito em veículo próprio ou ônibus.

A referência é a cidade de Catas Altas, distante cerca de 120km de Belo Horizonte, pelo acesso mais curto que é a BR-381 (saída para o Espirito Santo). De carro, em condições normais de tráfego, o trajeto levará aproximadamente 2h. Para quem optar pelo ônibus, deverá pegar um carro da linha BH x Santa Bárbara (viação Pássaro Verde). Em Santa Bárbara embarcar em uma linha local com destino a Catas Altas/Morro da Água Quente.

O local onde a trilha se inicia é isolado e estreito. Caso não queira deixar o veículo no local, a opção é deixar próximo à Matriz de Catas Altas e se deslocar a pé até o ponto inicial.

OBSERVAÇÕES:

Trilha de dificuldade alta a muito alta, em virtude do terreno irregular, da exposição à altura, dos trechos de escalaminhada e também sem trilha definida.

Esta trilha não carece de autorização, embora o acesso seja feito por propriedade particular. O trajeto até o Pico Agulhinha (ou Catas Altas ou Horizontes) é um roteiro bem consolidado da cidade de Catas Altas, dificultando qualquer tipo de proibição. De qualquer forma, não há casa ou construção ao longo da trilha. Já o Pico do Sol fica em área da RPPN Santuário do Caraça, com visitação restrita. Por isso não é recomendável pernoitar no cume do Sol.

Há sinal de telefone (VIVO) em vários trechos ao longo da subida, outras operadoras também devem funcionar na região. Disponibilidade de água é restrita a três pontos: Cachoeira do Meio, grota próximo ao acampamento Mancha e Córrego Quebra-Ossos. No auge da estiagem essas fontes podem minguar, principalmente as duas últimas.

Não há rota de fuga consolidada, devendo o montanhista retornar ao ponto inicial. No entanto, estando no Pico do Sol, há a possibilidade de descer para o lado da RPPN do Caraça.

3 comentários:

  1. Boa tarde ! É possível fazer esse percurso sem conhecer a área e sem muita experiência em trilhas ? Exite algum tipo de sinalização ao iniciar a trilha ?
    Agradeço desde já !

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  2. Olá Keila, este trajeto não é indicado para pessoas com pouca experiência, muito menos sem conhecer a área. Trata-se de uma trilha bem técnica, com alguns lances de escalada, exposição à altura e um longo trecho em que a trilha não está consolidada, o que dificulta a navegação. Caso queira fazer esses cumes, sugiro que entre em contato com algum guia local, ou faça com alguém que já conhece o trecho, ou mesmo adquira mais experiência para ir em um futuro próximo.

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  3. Olá hélio. Como posso te encontrar. Gostaria de pedir autorização para usar uma foto sua num post da associação de Escalada que faço parte. Renata Leite aqui.

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