26/01/2019

Travessia Serra da Lagoa Dourada e da Contagem

O extremo sul da Serra do Espinhaço é repleto de trilhas e possibilidades. São muitos caminhos a seguir e muitas conexões que podem ser feitas, de forma a criar as mais diferentes rotas.

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Aproveitando uma carona-resgate combinada com antecedência, embarquei para a região da Serra da Lagoa Dourada em um fim de semana de tempo nebuloso, porém ótimo para andar.

1º dia: São José da Serra x Cachoeira da Grota

Como de costume nas últimas pernadas, comprei a passagem de ônibus com antecedência. Saí de casa no fim da madrugada de sábado, por volta das 5:55. Andei até a avenida Dom Pedro I, onde costumo embarcar nos ônibus que vão para a região da Serra do Cipó. O ônibus passou antes das 6:30. A viagem segue tranquila e, por volta das 7:30, o ônibus faz uma parada rápida no distrito de São José de Almeida. Hora de reforçar o café da manhã, pois o desembarque estava próximo.

A viagem segue e salto do ônibus alguns quilômetros depois, no acesso para o povoado de São José da Serra. Ajeito a cargueira rapidamente e começo a caminhar. Com o tempo nebuloso, o movimento para a região do Cipó estava fraco e parecia ser difícil conseguir uma carona. O jeito era andar os pouco mais de 9k até o início da trilha.

Deixei a beira da estrada um pouco depois das 8, seguindo pelo aclive da estradinha de terra. Após o topo do morrote a estrada estabiliza e segue em declive. Não havia movimento nenhum na região. Nenhum veículo, nenhuma viv’alma. Mantenho um ritmo forte para chegar logo ao início da trilha.

Depois de pouco mais de 3k, eis que surge um carro na estrada. Era a chance! Peço a carona e o Uninho encosta alguns metros adiante. Um rapaz e um senhor mais velho estavam seguindo para a região de Felipe, em Jaboticatubas, onde pretendia chegar no dia seguinte, ao final da caminhada. Acompanho os dois por alguns quilômetros, até chegar à bifurcação que leva ao início da trilha. A carona foi rápida, mas me adiantou cerca de 1h de caminhada.

Novamente com a cargueira nas costas, sigo em aclive pela estradinha de terra em direção ao início da trilha. São mais 2k e alguns metros até a porteira, onde o caminho mais interessante se inicia. Chego ao local às 9:27, bem adiantado em relação ao que havia planejado. Sem muito descanso começo logo a caminhada serra cima.

Após a porteira sigo por uma estradinha precária, com muitas valas e buracos. Depois de pouco mais de 300 metros saio dessa estradinha “principal” e entro em uma trilha ampla à direita. Vou seguindo em meio ao cerrado, nas encostas da Serra da Lagoa Dourada.

Adiante passo por uma água temporária e logo a subida começa a ficar mais puxada. A terra batida dá lugar aos cascalhos, o cerrado fica pra trás e passam a predominar aos campos rupestres. Subo lentamente, o excesso de cascalho e as pedras soltas, além, é claro, da subida bem acentuada, dificultam. Aos poucos os trechos mais críticos vão ficando para trás e a vista se torna cada vez mais interessante.

O terreno vai estabilizando e alguns metros depois estou em uma área plana. Ufa! O GPS marca uma altitude de pouco mais de 1.240m, totalizando um ganho de elevação próximo dos 300 metros. Às 10:23, depois de andar 2.8k desde o início da trilha, chego a uma porteira no alto da serra. Ignoro uma trilha que seguia adiante, cruzo a porteira e dobro à direita, passando por uns afloramentos rochosos até encontrar outra trilha bem consolidada, que segue para o sul.

Visual para o vale do Jabuticatubas

A caminhada segue agora sem qualquer dificuldade, seguindo em ligeiro aclive pelos campos de altitude da Serra da Lagoa Dourada. Depois de passar por uma mancha de cerradinho, chego ao topo do morrote e começo a descer. Agora tenho uma belíssima visão do que é conhecido como Vale da Lagoa Dourada, mas que pela época chuvosa ainda estava verde rs. Um boi me acompanha com os olhos, curioso com aquele ser andando em duas patas e levando uma coisa enorme nas costas...

Às 10:56, depois de 5.4k, passo por um ponto de água, que na seca costuma ficar bem mirrado. Como há muito gado nessa região, pode ser prudente tratar a água com Clor-in ou algo do tipo, embora eu não tenha seguido essa orientação. Vou me aproximando de uma casinha que fica no meio de uma capoeira, numa área com uma cerca em péssimo estado. Após passar pela casinha, saio da trilha batida e começo a cortar caminho pela capoeiririnha, em direção à parte mais baixa do terreno.

Na parte mais baixa intercepto uma outra trilha, passo por alguns mourões novos (mas sem cerca) e logo estou no cerradinho da parte alta da cachoeira. De lá já tenho a bela visão do cânion do Rio Jabuticatubas. A trilha para o poço desce discreta ao meio à vegetação mais viçosa da encosta. A descida é acentuada, com alguns degraus, mas em questão de minutos chego ao poço da cachoeira da Lagoa Dourada, também conhecida como cachoeira das Fadas ou Jaboticaba.


O lugar é bem aconchegante. A queda não é muito alta e o poço não é muito grande, mas a união de vários fatores faz com que o lugar seja bem agradável para passar um tempo. Depois de 6.5k de caminhada tomo um merecido banho no pocinho e faço um lanche-almoço nas pedras.

O sol saiu algumas vezes, mas as nuvens predominaram. Pelo avançar da hora e pela condição do tempo, imaginei que mais ninguém daria as caras por ali . no dia. Depois de um bom descanso e um ótimo banho, deixo o local às 12:02, para cumprir um trecho inédito para mim.

Retorno ao topo da cachoeira e atravesso o Rio Jabuticatubas com dois pulos. Na outra margem a trilha segue bem mais discreta, são apenas caminhos de gado que seguem no sentido norte-sul. Sigo sempre pela direita, mantendo uma certa proximidade com o pé do morre. Alterno entre trilhas consolidadas e trecho de campos, todos fáceis de caminhar.

Quase 900 metros após ter cruzado o rio, deixo de caminhar pelo fundo do vale e passo a derivar para sudoeste, iniciando a subida pela vertente da serra. Embora seja possível distinguir um caminho entre os afloramentos rochosos, o trecho está bem sujo e merece atenção na navegação. Entre uma trilha suja, caminhos de enxurrada e afloramentos rochosos a trilha vai descrevendo uma curva para oeste-noroeste e se torna mais visível. Ao interceptar uma outra trilha é preciso dar uma guinada para o sul, retomando o rumo predominante desta travessia.

A trilha segue suja, mas agora é mais fácil de identificá-la. Continuo subindo entre afloramentos rochosos e arbustos esparsos. Às 12:38 cruzo uma porteirinha de madeira e mais a frente saio em um trecho de campos, com amplo visual. Trata-se de um platô, um degrau mais elevado da Serra da Lagoa Dourada, que também pode ser visto da travessia Altamira x Lagoa Dourada.

Neste trecho há várias trilhas para todos os cantos, mas mantenho o rumo sul-sudeste, tomando sempre à direita nas bifurcações. No horizonte, a referência é uma subida bem marcada num trecho de serra. Passo por algumas drenagens que alimentam o Rio Jabuticatubas e, quando a trilha se torna mais batida, ignoro sua continuação para cortar um trecho de campos, sem trilha consolidada.

Adiante atravesso uma outra drenagem, com um pouco de água, e passo a seguir por trilhas bem discretas, até encontrar um caminho com melhor pisoteio. Sigo margeando uma matinha de candeias e logo inicio a subida mais puxada, que até então era minha referência visual. O aclive é acentuada, mas proporciona ótimos visuais, principalmente para a direção da Lagoa Dourada.

Mantendo um bom ritmo, logo chego ao ponto culminante da travessia, próximo aos topos da Serra da Lagoa Dourada. O GPS registra 1.485 metros de elevação. O tempo não ajudava muito no visual, mas para o sul era possível reconhecer a imponente Serra da Piedade, bem escura pelas nuvens carregadas que pairavam sobre ela.

Depois de uma breve parada para descanso e contemplação, volta a caminhar às 13:50. De agora em diante era só descida até a cachoeira da Grota!

Ponto culminante

A descida é meio encardida, com alguns degraus e muitos afloramentos rochosos, tornando o terreno irregular. Mais abaixo a trilha, que era bem marcada, dá uma sumida e volta a aparecer próximo a uma porteira.

Depois de cruzar a porteira, passo também por um afluente do Ribeirão Bom Jardim, onde abasteço minhas garrafinhas. Uma vaquinha me olhava ressabiada, escondida entre os arbustos e pequenas árvores da beira do riacho. Quando volto a caminhar ela sai em disparada, estava bem magrinha e tinha algum problema numa das patas traseiras, que estava envolvida em uma espécie de tala.

A caminhada segue em declive. Algumas trilhas seguem paralelas em direção ao fundo do vale, por onde passa o Ribeirão Bom Jardim. Embora seja estreito, o ribeirão é profundo o suficiente para encharcar as botas, de forma que a travessia é um pouco chata para quem não quer tirar o calçado. Aproveitando capins, ervas e arbustos, consigo cruzá-lo em problemas, o relógio marcava 14:31.

Sigo em declive, agora um pouco mais pronunciado. Muitos afloramentos e pedras soltas tornam a descida um pouco chata, pois o terreno é bem irregular e demanda atenção. Passo por mais um afluente do Ribeirão Bom Jardim e por outra porteira, agora a descida fica ainda mais acentuada.

Do alto de uma pedra avisto os campos próximos à cachoeira da Grota, onde faria o camping. Visualizo também algumas barracas, eram de um grupo organizado pelo Chico, seriam meus companheiros no segundo dia de caminhada.

Após a parte mais crítica da descida, saio em um trecho de campos e capoeira, onde a trilha dá uma apagada. Vou seguindo no rumo noroeste, havia deixado para trás a Serra da Lagoa Dourada e agora seguia pela Serra da Contagem. Por uma trilha discreta, cruzo mais três afluentes do ribeirão Bom Jardim antes de sair, definitivamente, no campo onde acamparia.
Às 15:13, super adiantado, chego ao local de acampamento. Tinha avisado o pessoal que chegaria por volta das 17 ou 18 rs. Com o tempo fechando e uma garoa ameaçando de cair, o pessoal estava retornando da cachoeira da Grota, que ficava mais abaixo. Com a ajuda do Chico monto rapidamente a barraca e trato logo de ir conhecer a cachoeira.

Sigo pelas lajes do Ribeirão Bom Jardim até o topo da quedinha, que lembra bastante a cachoeira do Bené e a Cachoeira da Lagoa Dourada, onde havia estado mais cedo. Do topo o acesso fica um pouco mais complicado, é preciso descer pelas pedras, numa desescalaminhada até o nível do poço.

A cachoeira é bem agradável, um poço com bom tamanho numa área bem aberta, mas infelizmente o sol não deu as caras naquele momento. Depois de uma explorada na sequência do Ribeirão, que possui várias quedinhas e um poço bacana mais abaixo, retorno à cachoeira para um belo banho de rio.

Área de acampamento

Com o tempo bem mais ou menos não deu pra aproveitar tanto o local e logo retornei ao acampamento. Alguns já estavam jantando, mesmo ainda sendo bem cedo. Logo uma chuvinha começou a cair e todo mundo se recolheu. O grupo da minha janta marcou a ceia pra depois da chuva, mas a garoa foi persistente. Lá pras 21:00, depois de muito dormir, resolvo chamar o pessoal pra cozinhar, mesmo com a fraca garoa que caía. Não dava pra dormir de vez sem jantar rs.

Batalhamos com todos os tipos de insetos pra ficar do lado de fora da barraca, de forma que só foi viável cozinhar do lado de dentro. Dividimos a tarefa e rapidamente a janta ficou pronta. Por volta das 22:00 já estávamos todos bem alimentados e prontos para uma bela noite de sono. A garoa caindo na barraca e a barriga cheia ajudaram nessa tarefa.

Neste dia caminhei 18.5k.

2º dia: Cachoeira da Grota x Restaurante Coqueiros

Choveu praticamente a noite toda, mas no início da manhã deu uma ligeira estiada. Acordei cedo, por volta das 6, mas depois que a garoa tornou a cair me recolhi novamente. Aos poucos foi todo mundo saindo das barracas. Pessoal foi preparar o café e ficamos papeando um bom tempo pela manhã.

Antes de seguir viagem, porém, não podia faiá mais um banho de rio, mesmo naquela manhã nublada. E a água estava ótima!

Depois de várias fotos de despedida rs, deixamos o local às 12:08, seguindo em direção a um cocho na parte alta do campo. Cruzamos uma pequena drenagem e passamos a subir entre cerradinhos e campos rupestres, num trecho de trilha suja. Após caminhar um pouco no sentido sul, tomamos à direita numa bifurcação e a trilha passa a se encaminhar para o oeste. Uma subida chatinha pelas encostas da Serra da Contagem até alcançar os campos em altitudes mais elevadas.

Cachoeira da Grota

Passamos por uma tronqueira velha e seguimos pela direita, agora no rumo noroeste. Interceptamos uma trilha bem consolidada que vai descendo pela serra. Passamos ao lado de mais um cocho e cruzamos outra pequena drenagem. A nossa direita temos o visual do vale do Ribeirão Bom Jardim e de alguns afluentes que descem pela serra, volumosos pelas chuvas recentes.

Aos poucos, a trilha bem consolidada dos campos vai dando lugar a uma trilha suja em meio aos afloramentos rochosos. Vamos perdendo altitude, descendo por uma trilha bem irregular. Às 13:10, depois de 3.4k, passamos por uma drenagem totalmente seca. Adiante a trilha fica mais suja, com arbustos invadindo a trilha. Depois de uma descida mais forte, onde passamos por um pé de pequi, chegamos a uma cerca de arame farpado, que é preciso cruzar. À direita tínhamos o visual do sítio do dono das terras, que parece não gostar muito da movimentação por ali.

Do outro lado da cerca a trilha segue suja, agora com algumas bifurcações, mas que levam ao mesmo destino. Depois de mais algumas centenas de metros, às 13:35 chegamos à estradinha da Cachoeira do Bené. Nenhum movimento por aquelas bandas, inclusive a porteira estava fechada.

Faço uma pequena parada para transformar a calça em bermuda, já que a caminhada seria pela estradinha até o Restaurante Coqueiros, a pouco menos de 3k dali. Seguimos todos pela estradinha. Já na metade do caminho para o restaurante a van do resgate aparece e descemos o quilômetro final de carona.

Chegamos ao restaurante às 14:13, no local o Chico havia agendado um almoço coletivo e tiramos a barriga da miséria. Depois de fazer o quilo embarcamos na van para retornar a BH e chegamos com alguma rapidez. Antes do cair da noite já estava de volta ao aconchego do lar.

Neste dia caminhamos 7.7k, totalizando 26.3k em 2 dias.

LOGÍSTICA:

A logística para esta travessia é um pouco complicada, tendo em vista que são localidades pequenas e com alguma carência de transporte coletivo. Existem ônibus coletivos de Jaboticatubas a São José da Serra, que inclusive passam próximo ao final da travessia, mas é preciso ficar atento quanto a horários e dias disponíveis.

No caso desta travessia, a referência é a cidade de Belo Horizonte. Embarquei no primeiro ônibus da viação Serro, que sai de BH às 6:00 de sábado. O desembarque é no acesso a São José da Serra, que fica a 18k da parada de São José de Almeida. O início da trilha fica a 9k do desembarque, acesso por estrada de terra em boas condições.

Ao final da travessia combinei uma carona com a van do grupo que estava na cachoeira da Grota. Sem essa carona, uma opção é descer até a Estrada do Bom Jardim e esperar uma carona ou seguir caminhando mais 13k até Jaboticatubas. Há um coletivo que passa nesta estrada, mas é preciso se atentar quanto aos dias e horários disponíveis.

Outra opção é deixar o carro no começo ou final da travessia e combinar um resgate. Os pontos inicial e final não são distantes entre si, são cerca de 18k.

DICAS E INFOS:

A travessia possui dificuldade moderada para iniciantes, os pontos de atenção são os aclives e declives acentuados com terreno bastante irregular e com muito cascalho. Deve-se estar atento à navegação nos trechos sem trilha consolidada ou com trilha suja, e também no acesso à cachoeira da Grota.

Esta rota atravessa propriedades particulares, pede-se: SEJA DISCRETO, LEVE SEU LIXO EMBORA, NÃO FAÇA FOGUEIRAS, FECHE AS PORTEIRAS/TRONQUEIRAS QUE ABRIR. Seguir esses poucos passos faz com que a rota permaneça disponível para futuros montanhistas.

Há boa disponibilidade de água pelo caminho ao longo do primeiro dia, mas no período de estiagem é preciso ter atenção, pois algumas fontes podem secar. O segundo dia é curto, mas não possui fonte perene de água. Há sinal de telefone inconstante no alto da Cachoeira da Lagoa Dourada, nos demais locais não foi checado. Operadora: VIVO.

Como é uma travessia curta, não há rotas de fuga consolidada. De forma que é recomendável o retorno à São José da Serra ou a saída nas proximidades da Cachoeira do Bené (localidade de Felipe). Por outro lado, essa rota se conecta com outras trilhas da mesma região, a saber: Serra do Cipó; localidade de Sete e Córrego Fundo (Taquaruçu de Minas); e Altamira (Nova União).

O sentido mais indicado é este, saindo das proximidades de São José da Serra, tendo em vista que as subidas serão mais tranquilas. Há pouquíssimos trechos sombreados ao longo da rota, chapéu e protetor solar são itens obrigatórios.

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