17/09/2018

Travessia da Serra de São José

São José é uma pequena serra nos arredores dos municípios de São João Del Rei, Tiradentes e Prados, na região de villas e fazendas da Estrada Real. Parte da serra integra o Refúgio de Vida Silvestre Libélulas da Serra de São José, uma unidade de conservação criada pelo estado de Minas Gerais, para preservar a diversidade de libélulas que existe no local. A região está sob o domínio da mata atlântica, principalmente nas faixas de menor altitude e encostas, já no alto da serra predominam os campos rupestres, com vegetação característica do cerrado.

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Foi nessa serrinha bem interessante que retomei minhas caminhadas aqui pelas bandas das Minas Gerais, depois de passar uma temporada na Chapada Diamantina. Na companhia do Gabriel, mineiro que conheci na Bahia, fizemos a travessia em dois dias, por um roteiro um pouco diferente da travessia tradicional, que finda em Tiradentes. Percorremos a Serra de São José de cabo a rabo, iniciando no bairro de Pinheiro Chagas, no município de Prados, e finalizando no bairro da COHAB, já no município de São João Del Rei.


1º dia: Pinheiro Chagas x Gamelão

Marcamos para iniciar essa travessia num domingo, dia em que o ônibus que ônibus São João x Prados saía por volta das 10:00 do terminal rodoviário. Bem mais cedo que isso, por volta das 06:45, saía da minha casa, em BH, com destino a São João Del Rei. A viagem foi bem tranquila pelas BRs 040 e 383 até São João, com destaque para uma densa cerração que me acompanhou por quase 70 quilômetros, desde Congonhas até Lagoa Dourada.

Por volta das 09:10 cheguei ao bairro Girassol, um pouco distante do centro histórico de São João, onde o Gabriel mora. Por lá terminamos de ajeitar as cargueiras e acertamos os últimos detalhes. Por volta das 09:45 deixamos o bairro e partimos em direção à BR-383 ou Av. 31 de Março, via principal de São João Del Rei, onde o ônibus para Prados passaria. Depois de alguns minutos de espera, o ônibus da viação São Vicente surgiu no horizonte, demos sinal e por alguns segundos tive a sensação de que ele passaria direto. O motorista parou e embarcamos, a passagem para Prados custou pouco mais de R$8 (julho/2018).

A viagem de São João ao bairro de Pinheiros Chagas, que fica um pouco antes do centro de Prados, tem pouco mais de 20km de extensão e durou menos de 30 minutos. O ônibus estava vazio e fez somente uma parada no trajeto, se não me falha a memória. Chegando a Pinheiros Chagas descemos no miolinho do bairro, próximo a rua que teríamos que subir para acessar a Serra de São José.

Logo no desembarque percebi um estabelecimento bem de frente ao ponto em que descemos e, como já se aproximava das 11:00, decidimos seguir até lá para forrar o estômago. Não tinha muita opção, mas o cafezinho acompanhado de uns bolinhos de mandioca foram o suficiente. Às 11:13 deixamos o estabelecimento e seguimos subindo pela rua Xavante, que fica quase de frente. Este acesso para a Serra de São José passa pela antiga pedreira e talvez seja uma trilha menos conhecida. O caminho tradicional talvez seja o que se inicia cerca de 1km antes de Pinheiro Chagas.


Logo o asfalto termina e passamos a caminha numa estradinha de terra bem cuidada. Passamos ao lado da Casa da Serra, um prédio do Instituto Estadual de Florestas, muito provavelmente a sede da RVS Libélulas de São José. Um pouco mais a frente tomamos à esquerda numa bifurcação da estrada e seguimos em aclive por um trecho que oferecia um pouco mais de sombra. Depois de 2.2km de caminhada pela estradinha, às 11:44 chegamos ao início da trilha, local onde há uma casa de tijolos construída bem ao lado da estrada.

Como a tronqueira estava com cadeado fechado, foi preciso pular a cerca de arame farpado. Dali iniciamos um longo trecho de subida, que termina somente próximo ao cruzeiro. Neste trecho inicial a trilha é mais discreta, vai subindo a encosta da serra por uma área de capoeira, sob a sombra de alguns eucaliptos. Logo a trilha se embrenha por um capão de mata, um dos únicos pontos sombreados da rota, passa por um quebra corpo e ganha os campos rupestres em altitudes mais elevadas.

A subida é bem acentuada e com a cargueira pesando o avanço é lento. Depois de ter um ganho de elevação superior aos 100 metros, passamos ao lado de uma casa de pedras. Adiante começa o trecho pela antiga pedreira, nas bifurcações que apareciam seguimos sempre pela esquerda, evitando andar sobre todas aquelas pedras empilhadas.

Depois de 3.5km de caminhada atingimos um dos pontos mais altos da travessia, beirando os 1.370m de elevação. O terreno estabiliza e passamos a caminhar em campo aberto, em direção ao cruzeiro da serra. Já próximo ao cruzeiro existem algumas áreas planas, bem abrigadas e com vegetação rasteira, ideais para acampamento, mas que pecam por não existir água nas proximidades. Às 12:42, depois de percorrer 4.3km desde Pinheiro Chagas, chegamos ao cruzeiro e ficamos lá por algum tempo aproveitando descansando e aproveitando a vista.

A partir do cruzeiro a trilha merece atenção na navegação, já que o caminho tem o aspecto de sujo até interceptar a Trilha do Carteiro, já na porção central da serra. Para evitar o trecho sem trilhas após o cruzeiro, minha ideia era retornar pela trilha tradicional que segue para Pinheiro Chagas, até interceptar o caminho para sudeste (sentido travessia). Fomos retornando pela trilha consolidada, de olhos nas bifurcações.

Cerca de 500 metros após deixarmos o cruzeiro, cruzamos um grupo com guia que subia a serra. O guia perguntou sobre nosso caminho e falou que a melhor opção seria atalhar pelo trecho sem trilha, já que pela trilha a volta seria bem grande. Ponderando o que o guia falou, descemos por mais alguns metros até que notei uma trilha de gado que saía à esquerda e seguia na direção desejada. Então decidimos nos aventurar por ela. Aos poucos a trilha vai fechando e o rastro vai ficando difícil de seguir, ainda mais com a aparição de vários trechos rochosos na encosta da serra.

De pedra em pedra, e também descendo por caminhos de enxurrada e trilhas discretas, vamos perdendo altitude, seguindo predominantemente no rumo noroeste. Depois de aproximadamente 650 metros por um trecho confuso, interceptamos uma trilha mais consolidada num patamar inferior da serra, por onde passamos a seguir, mas agora no rumo sudoeste.

Por entre afloramentos rochosos agora seguimos em aclive, paralelos a uma mancha de mata. Adiante nos aproximamos da matinha e cruzamos para o lado direito. A matinha é um ponto de água mirrado, mas que neste inverno estava bem fraco, nem cogitamos parar lá para pegar água. Aproveitando a sombra do morrote a nossa esquerda, fizemos uma breve pausa para alimentação e hidratação, já que o calor estava bem forte.

No retorno da caminhada, a subida vai se estabilizando e passamos pelo cocuruto de um morro, iniciando, em seguida, um declive moderado. No final da descida ignoramos uma saída à direita e outra à esquerda, iniciando uma nova subida. Aqui começa um dos pontos mais bonitos da travessia, a trilha segue pela cumeada e bem próxima da borda da serra, propiciando belíssimos visuais de Tiradentes e de Bichinho. Neste trecho da borda a trilha segue em relevo estável, mas com diversos zigue-zagues entre os afloramentos rochosos. É um trecho que também demanda atenção, pois a trilha suja possui algumas bifurcações e alguns trechos que podem gerar dúvida sobre por onde seguir.


Às 15:31, depois de caminhar 10.6km, chegamos a um platô no topo da serra, local bem bonito com vegetação típica de campos de altitude. O trecho pelo platô é curto e logo a trilha passa a descrever um declive, partindo em direção às cabeceiras do Córrego do Riacho, onde ficam as quedinhas do Gamelão. Bem no início da descida um mirante natural com belo visual para Tiradentes e para a continuação da Serra de São José.

A descida pela vertente da serra se torna mais acentuada e rapidamente chegamos ao encontro com a Trilha do Carteiro, que atravessa a serra num sentido perpendicular ao da travessia que fazíamos. Nesta espécie de colo entre dois morrotes, vamos seguindo pela direita, no rumo norte-noroeste, por um caminho calçado de pedras. Neste trecho a trilha é bem sinalizada, com diversas placas indicativas. Vamos descendo pela face norte da serra e no caminho passamos pelo Mirante e pelo Túmulo do Carteiro. Após o túmulo tomamos à esquerda numa bifurcação sinalizada, descendo em direção ao topo da cachoeira do Gamelão, onde chegamos às 16:26.

O sol pouco iluminava, já que este pequeno vale fica bem protegido pelas encostas da serra, mas a nossa surpresa maior foi a pouquíssima água no local, somente um merejo escorria pelas rochas. Por pouco o Gamelão não estava completamente seco. Como não havia outro ponto de água nas proximidades e, no decorrer do dia, todas as possíveis fontes de água também estava precárias, não restou outra alternativa se não colher a água lá mesmo. Como estava sem o Clor-in, o jeito foi filtrar rusticamente a água, utilizando uma camisa para minimizar o material particulado rs.

Depois de encher a bolsa de água com o suficiente para a janta e mais um dia de caminhada, era hora de criar coragem para tomar um banho de gato nas água geladas do Gamelão. E o banho foi bem ligeiro em um dos pequenos pocinhos. Como ali estava ruim de água e a área para acampar não era tão boa, já que o terreno era um pouco inclinado, resolvemos retornar pela Trilha do Carteiro até um ponto mais acima, onde havíamos visto uma área ideal para montar a barraca.

Voltamos pouco mais de 400 metros pela trilha e resolvemos ficar em um pequeno descampado próximo ao Mirante do Carteiro. Embora fosse uma área plana com um solo arenoso, dificilmente seria um local ideal para mais de duas barracas, já que havia muito cascalho por lá. Às 17:34 finalizamos nossa caminhada do dia. Durante a noite o tempo continuou bem aberto e o frio que eu estava esperando não chegou.

Neste dia caminhamos 13.4km.

Dia 2: Gamelão x São João Del Rei

Levantei mesmo por volta das 08:15 com o sol detonando a barraca e eu assando dentro dela. Por algum motivo ainda não conhecido, o Gabriel conseguiu continuar dormindo naquele forno rs. Como trajeto do dia era bem sossegado, arrumamos as coisas sem pressa e só deixamos o acampamento às 10:23, sob um sol bem forte.

O início do segundo dia foi o caminho inverso da tarde anterior, subindo pela Trilha do Carteiro até o entroncamento com a trilha da travessia, em um patamar superior da serra. Uma alternativa a esse trecho é sair da área de acampamento por uma trilha à sudoeste, essa trilha vai atravessar o riachinho que forma as quedas do Gamelão e continuar no rumo sudoeste até alcançar o topo da Serra de São José, onde encontrará a “trilha da travessia”. Este trecho passa pelo interior da serra, então o visual de cumeada para Tiradentes e região é comprometido, por outro lado é um traçado mais curto.


Às 10:30 chegando ao entroncamento com a trilha da travessia e demos uma guinada para sudoeste. Logo adiante há uma bifurcação, tomamos o caminho da direita e mais a frente começamos a subir uma espécie de fenda, que é um aclive curto, porém repleto de degraus. Após a subida mais forte, a trilha se estabiliza e vai se aproximando da borda da serra, nos brindando com vários mirantes para a região de Tiradentes. Depois de 2.1km, ainda em ligeiro aclive, interceptamos a Trilha do Gamelão, a alternativa pra quem sai daquelas bandas de lá.

A trilha vai avançando pelos campos de altitude na faixa dos 1.200 metros de elevação e às 11:10 encontramos uma das raras sombras nessa travessia, onde fizemos uma parada para descanso e hidratação. Subindo pelos afloramentos, atrás da árvore, se tem mais uma bela vista da região de Tiradentes. Depois da sombrinha são dois caminhos que podem ser seguidos: um pelo interior da serra e outro pela cumeada, sendo que ambos se encontram mais a frente, próximo ao Córrego do Mangue.

Desta vez optamos por seguir pelo interior da serra, deixando a trilha da cumeada para uma outra oportunidade. A trilha logo começa a descrever um declive acentuado, em um trecho com cascalho e pequenas erosões. Ainda no começo da descida interceptamos uma trilha discreta que vem da cumeada e, logo depois, um muro de pedras marcava presença, rodeado por sempre-vivas. Aliás, as sempre-vivas eram as principais atrações dessa rota pelo interior da serra.

A trilha vai se aproximando do fundo do vale, que aparentava ter boa quantidade de água, mesmo com toda sequidão da serra. Os campos de altitude vão se transformando em um cerradinho e o terreno menos irregular fez com que nosso rendimento fosse ainda melhor. Interceptamos uma trilha que aparenta vir do fundo do vale e, adiante, a trilha que vem da cumeada.

Depois de 5.2km, às 12:15 chegamos ao entroncamento com a Trilha dos Escravos. À direita, no rumo norte, a trilha leva ao balneário Águas Santas, que fica em propriedade particular e é um local conhecido na região. Seguimos no sentido oposto, rumando para os pocinhos do Mangue. A trilha é bem sombreada no curto trecho que acompanha a mata ciliar. Às 12:21 arriamos nos pocinhos superiores do Mangue, local que o sol iluminava bem. A água era pouca, mas corrente. Aproveitamos para reabastecer e dar uma esfriada no corpo. E que esfriada! Mesmo com o sol forte para julho as águas estavam bem frias.

Depois de um bom descanso, demos prosseguimento à travessia. Como conseguimos reabastecer, não era preciso descer direto para Tiradentes, poderíamos seguir pela serra até São João Del Rei. Seguimos descendo pela trilha bem batida, passando ao lado da cachoeirinha do Mangue, local com poço bem maior, mas com muita sombra. Mais abaixo chegamos a uma bifurcação importante da rota: à esquerda o caminho segue para Tiradentes, trilha conhecida como Pacu; à direita o destino usual é a cachoeira Bom Despacho, mas também é a saída para São João.


Depois de descer pouco mais de 500 metros, chegamos a outra bifurcação. Seguimos mantendo à direita, desta vez o caminho da esquerda levava para a cachoeira Bom Despacho, que preferimos não passar por ser um lugar que enche bastante, já que se encontra ao lado da estrada Santa Cruz-Tiradentes. Pela direita chegamos a uma capoeirinha e, mais a frente, no antigo açude da Serra de São José. Cruzamos o córrego passando sobre o murinho da minúscula represa e depois tomamos uma trilha que subia discretamente à direita.

O caminho se consolida e percebemos que já estamos bem próximos da mineração Cal Tiradentes. Damos uma ligeira desviada da trilha principal para investigar uma pequena torre, cuja inscrição sugere ser uma construção do início do século XX. Voltamos à trilha e seguimos descendo, alguns caminhos se cruzam e a trilha vai ficando mais ampla e erodida, aparentando ser local de passagem de motos de trilha.

Nos aproximamos do muro da mineração e vamos margeando por ele até passar por um quebra-corpo, onde uma placa rústica informava se tratar de área da RVS Libélulas da Serra de São José. A partir do quebra-corpo passamos a seguir por uma estradinha de terra, mas logo a frente chegamos ao calçamento, por onde seguimos pela zona rural de São João até encontrar com o bairro da COHAB, totalmente urbano.

Seguimos direto pela rua Getúlio Vargas, dobramos à direita na rua E e, depois, à esquerda na rua Engenheiro José Luís Amarante, onde passa ônibus para o centro de São João. Mais a frente dobramos à direita numa rua meio de terra, passamos por uma pinguela sobre um córrego urbano e chegamos ao bairro Girassol, onde finalizamos nossa caminhada por volta das 14:45.

Neste dia caminhamos 11.1km. Nos dois dias caminhamos 24.6km.

DICAS E INFOS:

Do ponto de vista técnico, é uma travessia majoritariamente de baixa dificuldade, considerando como trechos de maior atenção a subida da pedreira e o trecho relativamente curto de trilha suja após o cruzeiro. Já do ponto de vista físico não é uma trilha muito exigente, já que as distâncias são relativamente curtas para uma travessia. Inclusive é uma trilha que pode ser feita no modo light em apenas um dia, com certa facilidade, para aquelas pessoas já acostumadas a grandes distâncias.

A indisponibilidade de água, ao menos no inverno, é algo que demanda muita atenção. Iniciei a trilha com 3L de água e assim o recomendo, tendo em vista que a única água disponível no primeiro dia foi nos pocinhos do Gamelão. Como a água do Gamelão estava bem fraquinha, quase parada, recomendo utilizar algum método de purificação. Já no segundo dia havia disponibilidade de água razoável no Córrego do Mangue, ainda sim sugiro algum cuidado ao realizar essa travessia no auge da estiagem (agosto e setembro).

Boa parte do trecho de cumeada tem sinal de telefonia móvel, ao menos da operadora Vivo. A trilha possui algumas rotas de escape, a considerar o retorno para Pinheiro Chagas ou a descida para Tiradentes via Carteiro ou Pacu. Como a serra é relativamente pequena, essas localidades estão a poucas horas de caminhada.

Existem boas áreas de acampamento ao longo da travessia, mas a maioria peca pela indisponibilidade de água. Desta forma o recomendável é acampar nas proximidades do Gamelão, onde há alguma disponibilidade de água, mesmo com a sequidão da serra.

LOGÍSTICA:

Utilizando como referência Belo Horizonte, a logística para esta travessia é relativamente simples. Para quem utiliza transporte coletivo, a Viação Sandra possui uma linha BH x Prados, mas os horários são restritos. A alternativa é utilizar a linha BH x São João Del Rei, operada pela mesma empresa, e em São João tomar o ônibus para Prados, linha esta que é operada pela Viação São Vicente. Sugiro utilizar ESTE SITE para verificar os horários de ônibus entre as cidades da região.

Atente-se: a travessia começa no bairro de Pinheiro Chagas, que fica cerca de 2km antes do centro de Prados.

Terminando a travessia em São João, basta tomar algum ônibus municipal em direção ao centro histórico/terminal rodoviário, ou então caminhar mais 4km até lá. Se optar por finalizar o trajeto em Tiradentes, basta tomar um ônibus intermunicipal, cujos horários também estão disponíveis NESTE SITE.

Se preferir utilizar transporte próprio nesta travessia, sugiro deixar o veículo em São João, combinando com alguma pousada ou local onde seja possível estacioná-lo em segurança. Depois tomar o ônibus para Prados, em linha operada pela Viação São Vicente.

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