07/02/2018

Travessia Capão x Lençois: Trilha das Mulas

Os caminhos entre o Vale do Capão, no município de Palmeiras, e Lençois são vários. Há tempos a travessia Capão x Lençois pelo vale do Rio Ribeirão me chamava a atenção. E com ela a possibilidade de conhecer antigos objetivos, como as Águas Claras e o Monte Tabor (mais conhecido como Morrão).

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Numa sexta-feira, em meados de dezembro, embarquei na companhia do Gabriel para o Capão, para realizar minha primeira travessia com acampamento natural na Chapada Diamantina.


1º dia: Vale do Capão x Águas Claras

Na sexta a noite saímos de Lençois, embarcados num Rápido Federal que nos deixaria em Palmeiras. De lá, em questão de segundos, arrumamos um transporte até o Capão, onde pernoitamos no camping do Gorgulho, próximo ao centro da vila.

O sábado amanheceu bem nublado, com uma garoa dando as caras de vez em quando. Por conta disso enrolamos bastante para sair. Por volta das 8h fomos para o centro da vila em busca de um café da manhã e para comprar os últimos mantimentos para a travessia. A compra foi rápida, mas o café demorou a sair. Somente após as 10h que deixamos a vila para dar início à travessia.

O trajeto escolhido foi a antiga Trilha das Mulas, antiga rota de tropeiros que ligava Capão a Lençois pelo vale do Rio Ribeirão. Resolvemos dar uma incrementada na rota, incluindo um ataque ao cume do Monte Tabor e uma esticada até as Águas Claras, que seria nosso local de pernoite.

Saindo do centro do Capão, seguimos pela estradinha poeirenta sentido Palmeiras. Poucos metros após passar a rua que dá acesso à trilha da Cachoeira da Fumaça, a 1.9km do centro, tomamos à direita numa ruazinha. Depois de passar por algumas casinhas, tomamos uma trilha discreta à esquerda, com mato alto nas bordas. Essa trilha passa no fundo dos lotes e corta algumas centenas de metros de caminhada, se comparada ao trecho pela estrada.




Adiante interceptamos a estradinha de terra e seguimos por ela no rumo norte, em suaves aclives e declives. A estradinha é pouquíssimo movimentada, passa por alguns riachinhos e quase não apresenta sombras para o caminhante. O visual também não é dos mais abertos neste trecho inicial, sendo possível observar, por vezes, o Morrão.

Conforme vamos avançando a estrada vai ficando cada vez com menos indícios de movimento, até que, depois de 6.5km, deixamos a estradinha em favor de uma trilha que segue à direita de uma tronqueira. A trilha é bem demarcada em meio ao cerrado (literalmente cerrado). O Morrão vai ficando cada vez mais perto e o visual cada vez mais desimpedido.

Com 8.5km de pernada, chegamos ao entroncamento da trilha que segue para Lençois pelo vale do Rio Ribeirão, ponto onde retornaríamos no dia seguinte. Seguimos à esquerda, sentido Águas Claras. Depois de passar um córrego, num capão de mata bem agradável, seguimos pela trilha mais à direita, num trecho com algumas trilhas paralelas (e outras nem tanto). Saindo do capão de mata estávamos (quase) nos pés do Morrão.

Depois de mais algumas centenas de metros pela trilha batida, chegamos próximo a uma nascente, onde havia uma pequena poça de água. Neste ponto é possível perceber algumas trilhas discretas à esquerda, no rumo oeste. Saímos por uma dessas trilhas, como se fôssemos dar a volta no Morrão. Aos poucos a trilha vai encorpando, ficando melhor demarcada no terreno. A essa altura do dia o calor já rompia o cerrado, então paramos no meio da trilha para fazer um lanche e deixar as cargueiras em algum canto, já que faríamos o ataque ao Morrão e voltaríamos pelo mesmo caminho.

O ataque ao cume do Monte Tabor é feito por uma trilha discreta, com alguns trechos de escalaminhada e de exposição à altura, portanto é altamente recomendado realizar a subida com o mínimo de peso possível. Como não estávamos com mochilas de ataque, subimos sem levar nada, nem mesmo água (OK, não precisa chegar a esse ponto, leve água! rs).

A subida foi lenta e gradual, durando cerca de 1h. O topo do Monte Tabor tem o formato de uma sela de cavalo, com a parte central mais baixa que as extremidades. Na primeira perna são cerca de 300 metros de desnível até o colo do morro. De lá, a subida é um pouco mais tranquila até as duas extremidades. De acordo com a marcação do GPS, a face norte é 5 metros mais alta que a sul, marcando 1.392m.




Do pico norte é possível visualizar a extensão da Serra do Morrão, Serra do Sobradinho, as nascentes do Riacho Mucugezinho e uma pequena porção do Morro do Pai Inácio. Já da face sul a visão é da vila do Capão e arredores, da subida da Fumaça por cima e dos afluentes do Rio Preto.

Já passava das 15:00 quando resolvemos iniciar a descida do Morrão, para finalizar o dia nas Águas Claras. Retornamos pelo mesmo caminho até o entroncamento com a trilha principal, de onde a caminhada segue sem maiores dificuldades até o ponto de pernoite. Com o tempo aberto, detalhe para o visual sensacional do vale do Riacho Mucugezinho.

Às 16:41 cruzamos um riacho, já bem próximo aos poços do local conhecido como Águas Claras. Neste ponto, um dos afluentes do Mucugezinho possui água numa coloração diferente da maioria da Chapada, o que possibilita ao banhista enxergar boa parte do poço.

Depois de um belo banho, montamos nossas barracas numa pequena clareira bem ao lado do rio, o que não é muito aconselhável. De qualquer forma não tivemos problemas no decorrer da noite. Dividimos o pequeno espaço com um outro grupo, que fazia a travessia Lençois x Capão pelo Barro Branco, a trilha mais frequentada atualmente, que passa próximo ao Morro do Pai Inácio.

Neste dia caminhamos 17.7km.

2º dia: Águas Claras x Lençois

No início da noite anterior pudemos apreciar o céu estrelado de lua nova. Ainda de madrugada, saí da barraca para dar uma espiada e as nuvens já haviam tomado conta de tudo. O domingo amanheceu bem nublado, com pequenas garoas na região das Águas Claras. Acordei com a chuva batendo na barraca. Mesmo com o tempo ruim, o grupo que dividiu o espaço conosco teve coragem para desarmar acampamento e cumprir a travessia. Já Gabriel e eu ficamos enrolando por lá, esperando o tempo melhorar um pouco. E já passava das 9:00 quando isso aconteceu.




Às 10:18 iniciamos o segundo dia de caminhada, ainda com o tempo fechado. Fizemos o mesmo caminho do dia anterior, agora no rumo sul. Depois de 3.4km chegamos ao entroncamento com a trilha que segue para Lençois, bem menos batida do que havia imaginado.

A trilha agora segue em ligeiro aclive até cruzar o divisor de águas, iniciando a descida pelo vale do Rio Ribeirão. De agora em diante a trilha é “suja”, com aspecto de pouco movimentada, porém bem demarcada e com abundância de água.

Numa transição entre cerrado e capão de mata, seguimos descendo, cruzando diversas nascentes e pequenos riachos, que vão formando o Rio Ribeirão. Depois de 5.5km desde as Águas Claras, há uma pequena trilha bem discreta, saindo à direita e em direção ao rio. Neste ponto há um pequeno poço de águas calmas, mas a parada foi só para contemplação. Depois de 8.7km, cruzamos o Rio Ribeirão pela última vez, subindo alguns degraus da Serra do Grisante.

A subida é moderada, com 800 metros de extensão. Depois de subir alguns degraus, chegamos a um lajeado, por onde seguimos em ligeiro declive. Depois de cruzar um afluente do Rio Ribeirão, passamos pelo entroncamento da trilha que leva para as cachoeiras do 21 e Fundão, por onde seguimos à esquerda.

Depois de vários quilômetros caminhando no sentido sudeste, a trilha dá uma guinada para leste-nordeste, saindo de vez do vale do Rio Ribeirão e penetrando no vale do Rio Lençois. Adiante a cidade de Lençois já dá as caras, com suas construções apontando no fundo do vale.

Este trecho final é composto puramente por descidas, ora suaves, ora moderadas, quase sempre por lajeados. Cruzamos por três vezes pequenos afluentes do Rio Lençois, correndo por formações semelhantes a do Serrano.

Depois de 16.4km, já bem próximos do final, tomamos à esquerda numa bifurcação. Desviamos de algumas “unhas de gato”, planta com espinhos de excelente aderência (rs) e saímos no topo da Cachoeirinha, num local bom para banho, embora pequeno. Aproveitamos para tomar um banho no rio, pois o calor estava forte.

Depois de meia hora no local, descemos para a Cachoeirinha, onde chegamos às 16:20. O local estava bem movimentado, devido à proximidade com o centro, então só passamos o olho na água e seguimos. Agora estávamos acompanhados por diversas pessoas, segundo o fluxo em direção ao Serrano, onde chegamos dez minutos depois. Novamente, só passamos pelo local, a água era pouco e os pequenos poços já estavam tomados.




Descemos o lajeado do Serrano pela esquerda, ao final desembocamos numa trilha, por onde seguimos até próximo do terminal rodoviário, onde finalizamos a travessia às 16:50. Foram 36.8km de trilha em dois dias, andando num ritmo bem tranquilo e produtivo.

Neste dia caminhamos 18.9km.

DICAS E INFOS:

Em grande parte, é uma travessia de dificuldade entre baixa e moderada, oferecendo poucos desafios e barreiras aos montanhistas. Por outro lado, o pequeno trecho que compreende a subida do Monte Tabor possui alta dificudade, com alguns trechos de escalaminhada e exposição à altura.

No modo proposto, com ataque ao Morrão e Águas Claras, a melhor forma é fazer a travessia em dois dias, sendo possível curtir os locais e caminhar com tranquilidade. Descontando os ataques feitos durante os dois dias, a travessia direta tem cerca de 22km, podendo ser facilmente realizada em um único dia.

Em relação à navegação, é uma trilha relativamente fácil, já que boa parte do percurso é bem demarcada. Atenção no trecho entre o entroncamento com a trilha que segue para Águas Claras até Lençois, pois se trata de uma “trilha suja”, com alguns trechos confusos.

No primeiro dia a caminhada oferece pouca oferta de sombra, já no segundo dia a situação muda, sendo a caminhada bem sombreada em diversos trechos. Por outro lado, o forte calor é comum na maior parte do ano, utilize roupas adequadas.

Como boa parte da caminhada se desenvolve numa região de nascentes e dentro de um vale, há boa oferta de água pelo caminho, não sendo necessário mais que uma garrafa por pessoa.

Começar a travessia no Capão faz com que a maior parte do relevo seja favorável, predominando as descidas.

LOGÍSTICA:

Como é o normal de uma travessia, o ponto inicial e final são distintos e relativamente distantes. Portanto, é preciso organizar uma logística de ida e volta. No entanto, diferentemente de boa parte das travessias pelo interior do Brasil, esta possui um bom acesso a transportes coletivos.

Se preferir contratar um transfer ou resgate, basta procurar alguma das agências da região do Capão ou Lençois, ou mesmo algum particular. Se preferir realizar de forma autônoma, seguem as sugestões:

Se estiver hospedado/domiciliado em Lençois:

1. Pegar o ônibus da Rápido Federal que passa em Lençois e para no terminal de Palmeiras. R$10,00 por pessoa.
ATENÇÃO: em alguns horários os ônibus não entram em Palmeiras, checar essa informação no guichê da Rápido em Lençois, pois pode comprometer o andamento da viagem. Como os horários são escassos, recomendo que a viagem para Palmeiras seja feita no dia anterior ao da travessia.

2. Descer no terminal de Palmeiras e pegar algum transporte para o Vale do Capão.
Normalmente, ao descer do ônibus, alguém oferecerá esse transporte. R$20,00 por pessoa para um carro cheio.

Se estiver no Capão e quiser retornar para a vila após o término da travessia, siga os passos anteriores. Se for para Lençois exclusivamente para realizar essa travessia, pode deixar o veículo na rua acima do terminal rodoviário. É uma rua de pousadas, deixei minha moto lá e não tive problemas.

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