Os caminhos que serpenteiam a Chapada Diamantina quase sempre estão ligados ao período de exploração do diamante na região, e a minha primeira travessia por aqui não poderia ser diferente. Pela borda leste da Chapada, saí dos arredores de Mucugê, descendo a serra até Andaraí, pela antiga Trilha do Garimpo. No caminho o histórico vilarejo de Igatu e suas ruínas, além de alguns córregos e rios.
Powered by Wikiloc
Era domingo, último dia do feriado da Independência. Devido a alguns problemas hidráulicos na moto, a exploração da região de Ibicoara ficou pra uma outra data. Uma boa opção para o fim do feriado era fazer a travessia de Mucugê a Andaraí, pela Trilha do Garimpo. Estimava coisa de 20km e um chorinho, quase sempre descendo, o que seria moleza.
Logo pela manhã liguei para alguns contatos, na busca de alguém que me levasse até o ponto inicial. Achei que seria tranquilo, mas foi só ligar e descobrir que não é todo mundo que trabalha domingo em Andaraí. Rapidamente consegui contato do Luiz, mototaxista, e ele topou de me levar lá. O início da caminhada fica a cerca de 38km do centro de Andaraí, ele me cobrou R$40 pela corrida, um preço justo.
A manhã estava nublada na parte baixa da serra e, olhando para o alto, não via sinais de melhoras. A tarde sempre abre, pensei. rs. Sem falar que com o tempo ameno a caminhada rende mais. Nesta partimos em direção ao início da trilha, onde cheguei por volta das 10:00. O ponto inicial fica cerca de 10km do centro de Mucugê, na beira da rodovia BA-142, próximo a algumas antenas. Local de fácil identificação, já que há uma estradinha de terra que sai pela tangente no sentido norte e uma placa do Parque Nacional da Chapada Diamantina.
Tão pouco saltei da moto e logo começou uma fina garoa. Ajustei a mochila, o GPS, fiz o registro do ponto inical e foi pé na estrada! Sigo por uma estradinha de terra em condições medianas e praticamente plana por 1.900 metros. Depois entro à direita em uma estradinha mais discreta e mais judiada, onde sigo por 240 metros em ligeiro declive. Quando chego num descampado, uma área degradada, vejo uma discreta trilha que sai à direita, no sentido nordeste. Aqui a trilha realmente começa.
A princípio a trilha está um pouco fechada, com aspecto de pouco utilizada, mas o caminho é fácil de visualizar. A vegetação, molhada pela garoa, vai encharcando minha calça e sou obrigado a colocar o anorak para não encharcar por inteiro. Muito capim e seus derivados neste início, tornando a trilha um pouco chata. Passo por um pequeno córrego 400 metros após entrar na trilha e vou seguindo serra abaixo. A trilha altera trechos mais fechados com lajeados rochosos e calçamentos de pedras, onde a vegetação lateral não incomoda.
A garoa vai enfraquecendo mas as nuvens continuam baixas, uma lubrininha impede um melhor visual do chapadão a minha esquerda. Depois de 6,2km, às 11:32 cruzo o Córrego Tamburi. Adiante passo por um pequeno afluente, o 2º ponto de água da rota. Do outro lado a trilha segue em nível, ampla e em terreno mais arenoso; curtas subidas passam a integrar este trecho.
Pouco mais de 1km após o córrego, à direita da trilha, vejo em meio a mata uma coisa branca, grande. Deixo a trilha mais batida e vou em direção a essa “coisa”. Era uma jazida, estava no Cemitério dos Bexiguentos. Conta a história, através de placas no local, que na primeira metade do século XX uma epidemia de varíola assolou território baiano e não poupou os povoados garimpeiros da Chapada. Como a orientação na época, do ponto de vista sanitário, era enterrar os mortos por váriola em locais afastados dos centros urbanos, surgiu este cemitério, a cerca de 1,3km de Igatu.
Depois de cruzar uma ponte de madeira e vencer uma pequena subida, logo começam algumas casinhas de Igatu. Aproveito as pedras de um jardim como banco e faço ali meu almoço. O tempo insiste em continuar fechado, mas já dá sinais de melhoras. Após uma boa parada para descanso dos pés, que vieram em ritmo frenético, às 12:29 passo pela praça central de Igatu, onde pouquíssimas pessoas ousaram permanecer naquele domingo nebuloso.
Sigo por uma rua de calçamento, sempre descendo, e as casas vão ficando cada vez mais distantes uma das outras. No caminho o cemitério de Igatu e sua igreja de pedra, que chama atenção. Após a igreja a caminhada passa a ser, predominantemente, sobre lajeados rochosos. Estou no Parque Histórico de Igatu, onde concentram diversas casas de pedra em ruínas. Os mais empolgados chamam o lugar de Machu Picchu da Bahia. Um depoimento numa placa chama atenção:
“A chuva é que continua implacável. Todas as manhãs estão aqui para nos dizer que a casa de Fulano caiu, a casa de Sicrano desabou esta noite quase matando todo o mundo. Uma calamidade. Estamos atravessando momentos bem críticos. Quase no último quartel da vida fiquei para assistir o desmoronamento da minha terra, os últimos momentos de minha adorável Pompeia”. (Eurico Antunes Costa)
Depois de uma passagem por uma drenagem seca, reencontro o Córrego Tamburi, desta vez a minha direita. Algumas dezenas de metros adiante, visualizo as setas marcadas no chão e pulo o pequeno muro de pedras em busca da Cachoeira da Califórnia. Logo chego no córrego e observo que ele desce por uma pequeno cânion estreito. O poço fica na parte de baixo, logo seria preciso dar a volta por uma área de garimpo para conhecê-lo. A navegação neste ponto é confusa, mas alguns totens auxiliam minimamente o caminhante. Em dado momento é preciso descer por uma fenda para contornar um enorme bloco rochoso. Comecei a descer, mas depois mudei de ideia e retornei a trilha, a cachoeira nem é lá essas coisas mesmo… rs.
Após Igatu a descida é feita por uma trilha bem aberta, praticamente uma estrada. No horizonte tenho a visão da parte alta de Andaraí e das imensas praias de areia do Rio Paraguaçu. Entre áreas de garimpo vou descendo, com montes e montes de pedras empilhadas vou descendo. Cruzo mais duas drenagens secas e passo por uma espécie de ponte de pedra. Para evitar alguns desníveis, em alguns pontos as pedras foram sobrepostas de forma a tornar a passagem completamente plana. Engenharia do garimpo.
Vou perdendo altitude e embrenhando em uma mata seca, sem visual do exterior. Começo a acompanhar uma cerca de arame farpado e logo chego nas margens da rodovia BA-142, nas proximidades de Andaraí. Sigo por quase 2km até a ponte sobre o Rio Paraguaçu, na cabeceira desta ponte entro por uma trilha à esquerda, que me leva a barragem, no chamado Poço Donana, onde chego às 14:44.
O sol tinha saído e calor era forte naquele meio de tarde, então um mergulho nas águas refrescantes do Paraguaçu foi inevitável. Muitas pessoas foram para lá também, mas elas estava na outra margem do rio. Fiquei cerca de uma hora no local até tomar coragem para terminar a travessia debaixo daquela lua.
Do Poço Donana até o centro de Andaraí foram 4km, margeando a rodovia. Sombras somente em alguns trechos. Logo após a ponte tem a Toca do Morcego, uma espécie de bar e restaurante onde é possível fazer algum lanche. Boa parte deste trecho final pega sinal de celular (CLARO), pros mais cansados é possível chamar um mototaxi de Andaraí. Andar em beira de rodovia é bem chato, convenhamos. rs.
Às 16:29 chego à Praça do Rosário, quase no centro de Andaraí, onde finalizo o tracklog. Alguns minutos depois já estava em casa preparando o almoço. rs.
Neste dia caminhei 20,4km.
A Trilha do Garimpo é uma rota bem interessante pela borda leste da Chapada Diamantina e, aparentemente, pouco realizada. Passa por alguns pontos históricos e outros naturais, onde é possível se refrescar. Com o tempo aberto imagino que o visual seja ainda mais magnífico. A logística não é tão difícil, desde que você esteja na Chapada, como vou detalhar a seguir. Excelente programa de um dia para quem aprecia uma boa caminhada.
LOGÍSTICA:
Esta travessia tem início nas proximidades de Mucugê, a cerca de 10km do centro da cidade. Em relação a Andaraí, são aproximdamente 38km.
Se você estiver a pé pela Chapada Diamantina, sugiro a pernoite em Mucugê na noite anterior à caminhada. Assim, no dia da travessia, só é preciso pegar o moto táxi por alguns quilômetros, deve ficar em torno de R$10. De carro/moto próprio ou alugado, acredito que a melhor opção é deixá-lo em Andaraí e tomar um moto táxi até o ponto inicial. A corrida deve girar em torno de R$40.
A depender do número de pessoas interessadas, uma opção mais vantajosa é tomar um táxi convencional (existe, mas são poucos em Andaraí; em Mucugê não tenho conhecimento) ou combinar o transfer com alguma pessoa ou pousada ou agência de turismo.
DICAS E INFOS:
Pessoas experientes em caminhadas não terão qualquer dificuldade, seja do ponto de vista técnico ou físico; para iniciados ou pessoas que não tem o costume de caminhar, pode ser uma trilha de moderada a difícil, mais pela distância a ser caminhada do que por outro tipo de exigência;
A trilha é bem demarcada em toda sua extensão, mesmo nos trechos sobre lajeados; há somente algumas bifurcações pelo caminho, mas nada que um GPS ou bússola não resolva. Fácil navegação mesmo com tempo fechado;
Pontos de água: um logo após entrar na trilha; depois do córrego Tamburi e na cascata dos Pombos (todos na primeira metade). Depois de Igatu não visualizei ponto confiável de água. Como o Córrego Tamburi passa por dentro do povoado e saneamento não é um forte aqui na Chapada, não recomendo coletar água nele após Igatu.
É possível encurtar alguns quilômetros de caminhada avançando um pouco pela estrada de terra inicial e/ou combinando o resgate a partir da Toca do Morcego;
Trilha totalmente pedalável, num primeiro momento se assemelha a um downhill, bem técnico. Exige muito dos braços e do freio. É preciso ter cuidado também com a vegetação lateral e alguns galhos baixos. Dificuldade mínima para MTB: moderado.
Rota de escape: termine a travessia em Igatu.
Sinal de celular (CLARO) em boa parte da rota, principalmente no trecho inicial e final.
Esta travessia possui acesso livre e gratuito, não necessita de autorização ou guias.
Você está caminhando em uma unidade de conservação federal, LEVE SEU LIXO DE VOLTA, não faça fogueiras e preserve os sítios históricos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário