30/08/2017

Travessia Serra Fina

Serra Fina. Parecia uma jornada ainda distante, já que o plano era percorrer outros caminhos menos tortuosos, antes de encarar essa clássica trilha da Serra da Mantiqueira. Então, como quem não quer nada, levantei a possibilidade de fazer a travessia nas minhas férias, e ela - a oportunidade - se concretizou. No último final de semana de julho embarcamos, Pedro e eu, para as terras altas da Mantiqueira.


Incertezas de última hora sobre quem iria ou não. Na final da manhã de um sábado nebuloso partimos com destino a Itanhandu, onde tínhamos combinado transfer e estadia com uma amiga de faculdade, a Bia. Viagem tranquila pela ótima rodovia Fernão Dias e pelas sinuosas BRs 267 e 354, chegamos a Itanhandu no final da tarde, com tempo aberto na região da Mantiqueira.

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1º dia: Toca do Lobo x Base da Pedra da Mina


Despertador tocou às 6:00. Rapidamente dobrei o saco de dormir e ajeitei a cargueira. Tomamos um café na casa da Bia e do Félix e fomos a padaria, pra dar uma reforçada. rs. O tempo passa rápido durante a manhã e já era mais de 7:30 quando embarcamos no carro rumo ao começo da travessia.


Saindo de Itanhandu, são cerca de 16km pela rodovia estadual MG-158 e quase 9km por uma estrada de terra em condições medianas até a Fazenda Santa Amélia, último ponto acessível por carro de passeio. É um trajeto fácil de fazer, a saída da rodovia é próxima ao bairro de Pinheirinhos (Passa Quatro), daí é só seguir as placas para o Refúgio Serra Fina. O começo da trilha fica um pouco após o refúgio, seguindo pela mesma estradinha.


Eram 8:43 quando chegamos ao ponto de estacionamento, onde quem faz o ataque ou pretende somente pernoitar no Alto do Capim Amarelo deixa o carro. Vários carros no local, de 4x4 a veículos de passeio. Adiante uma plaquinha meio apagada tinha informações sobre a travessia, como o tempo gasto no trajeto, nome dos picos e altitude. De acordo com ela, a subida para o Capim Amarelo leva 3h.


Então partimos. Deixamos para trás uma casinha (a Fazenda Santa Amélia) e subimos à esquerda por uma antiga estradinha bem judiada. Aos poucos a vegetação vai se fechando e a estradinha dá lugar a um trilho que segue em meio a mata. Em vinte minutos de caminhada chegamos à Toca do Lobo, onde os resquícios de estradinha acabam.


À esquerda uma pequena toca, onde é possível se abrigar. Adiante uma trilha segue em direção a mata. À direita uma pequena queda d’água que forma um pocinho de águas cristalinas - e bem geladas! A intuição faz com que você siga direto, mas o caminho correto é atravessas o pequeno córrego e subir o barranco do outro lado. Literalmente um barranco. São as boas vindas da Serra Fina, um forte aclive em meio a mata. Para subir somente com ajuda dos troncos, galhos e raízes.


Visual clássico

Rapidamente vamos ganhando altitude e as árvores diminuindo de tamanho, até que restam somente arbustos de porte médio. Chegamos ao início da cumeada, com vistas para o vale do Paraíba do Sul (sul) e Pico Marins e Itaguaré (oeste). A trilha é bem batida e quase não há bifurcações, o tempo aberto faz com que seja possível visualizar para onde estamos indo, sempre para cima.


Passamos uma pequena área de camping (são várias em toda a rota) e em pouco mais de uma hora de caminhada chegamos ao primeiro ponto de água, que fica à direita da trilha. Como iniciamos com cerca de 2,5L d’água, não descemos até a fonte. Aliás, é uma descidinha bem chata. Descansamos um pouco por ali pois tínhamos uma tremenda pirambeira bem a nossa frente.


Em menos de 3,5km de caminhada, saímos da cota ~1520m (ponto inicial) e já tínhamos quebrado a barreira dos 2000m. Às 10:24 chegamos ao cume do Quartzito (2.044m, GPS), de onde se tem o clássico visual da travessia, com a trilha percorrendo a fina cumeada da serra. Depois de tanto subir, começa uma forte e curta descida. Do Quartzito visualizamos alguns grupos retornando e cruzamos com eles no trecho clássico da cumeada.


Depois de um sobe e desce relativamente tranquilo, começa a forte subida que termina somente no Alto do Capim Amarelo. São mais de 400 metros de desnível em cerca de 1,5km. A princípio subimos por uma trilha entre arbustos, tão logo ganhamos altitude e passamos a ter a companhia dos famosos bambuzinhos da Mantiqueira, que dão uma apertada na trilha. Em vários pontos os bambus seguravam a cargueira, demandando um maior esforço a cada passo.


A subida pro Capim Amarelo possui alguns trechos de escalaminhada, nestes pontos há o auxílio de cordas e de escadas feitas de corda e madeira, atenuando um pouco a dificuldade. Há um breve trecho plano um pouco antes do pico, local para recuperar o fôlego para o sprint final. Depois de mais algumas escalaminhadas chegamos ao primeiro pico da travessia: Alto do Capim Amarelo. Foram 4h de subida muito desgastante e com trechos bem técnicos. O GPS marcou 2.489m, a carta de Passa Quatro informa 2.392m (com a ressalva que é antiga) e alguns dizem 2.570m (!!!).

Enfumaçada Pedra da Mina, vista do Alto do Capim Amarelo


O topo do Capim Amarelo é amplo, são vários quartos, todos protegidos pelos enormes tufos de capim. Como uma grande nuvem estava de passagem pelo local, o visual para o Vale do Paraíba do Sul e para o lado mineiro estava comprometido. Entre uma abertura e outra dava pra se maravilhar com a visão lá do alto. Almoçamos, assinamos o livo de cume, mandamos algumas mensagens para casa (sim, tem sinal de telefone) e descansamos um bocado. Sem muitas delongas, já que a ideia era caminhar até o cume da Pedra da Mina, deixamos o Alto do Capim Amarelo por volta de 13:30.


Caminhamos por uma via entre os tufos de capim e nos deparamos com uma visão espetacular da Pedra da Mina, enfumaçada por umas poucas nuvens. Havia um rastro de trilha descendo pelas lajes e adentrando em uma matinha de bambu abaixo, então continuamos a descer. Um pouco depois, fui dar uma conferida no GPS e descobri que estava alguns metros à leste do trilho principal. Como a trilha ia fechando, ficando mais difícil, o jeito foi ir tomando umas saídas à esquerda, em meio aos bambus, até reencontrar o eixo principal. Meu erro, como navegador, foi na saída do Capim Amarelo. O ideal é manter sempre à esquerda, pegando uma trilha que, a princípio, segue para o norte. Tomamos direto a saída nordeste e tivemos que nos embrenhar por trilhas sujas até retomar o caminho mais batido. Pelo menos tivemos uma bela visão da Pedra da Mina, ainda distante.


Após o Capim Amarelo há um forte declive entre bambus. Depois é um contínuo sobe e desce passando por algumas áreas de camping de porte médio, como o Avançado e o Maracanã. Após este último, há um forte aclive que começa entre bambus e sai num lajeado bem inclinado. O esforço físico constante e o calor forçaram uma parada no meio do lajeado, para recuperar o fôlego. Nesta subida cruzamos com uma dupla descendo, talvez tivessem a pretensão de pernoitar no Capim Amarelo, já que era meio tarde para retornar à Toca do Lobo.


O fim da subida nos levou para a cumeada da serra, de onde tínhamos a visão de um conjunto de cristas da Mantiqueira. Passamos à esquerda do cume do Melano, seguindo num frenético sobe e desce, com direito a algumas escalaminhadas curtas. Nesta parte a caminhada se desenvolve na faixa dos 2.500m. de altitude. Após algumas áreas de camping, começamos a descer em direção ao fundo de um vale, com a bela visão do Morro do Tartarugão à direita. Pelo adiantar da hora, já imaginávamos que não seria possível subir até o cume da Mina, então já íamos observando possíveis locais para a pernoite.


Tartarugão

Às 16:58 passamos em uma pequena área de acampamento, à esquerda da Cachoeira Vermelha, um dos pontos de água na base da Mina. Ignoramos a trilha que leva ao local e continuamos a caminhada, já que passaríamos pelas nascentes do Rio Claro adiante. Depois de uma subida por lajes rochosas, começamos uma descida escorregadia entre tufos de capim até encontrar uma das nascentes. Paramos para abastecer as garrafas, com água para a noite e pra manhã do dia seguinte. Novamente, 2,5L foram suficientes. A água estava geladíssima e molhar a mão pra encher as garrafas foi quase uma tortura naquele fim de tarde.


Abastecidos, caminhamos mais cerca de 250 metros até chegar ao último acampamento antes do cume da Pedra da Mina. Eram 17:32 quando arriamos nossas tralhas, o por do Sol era iminente. Nossa área de camping foi no interior de um pequeno capão de mata, com espaço para 2 ou 3 barracas, bem abrigado de uma possível ventania noturna.


Montamos as barracas e a noite chegou em seguida. Tratamos de cozinhar a janta logo, pois o frio chegava com força. Enquanto esperávamos o arroz, descobrimos que não estávamos sozinhos por lá. Tínhamos a companhia de um pequeno camundongo, que emocionado com nossa presença corria de um lado para o outro, ou melhor, dava pulinhos. rs


Se abrigo no capão de mata o frio estava de doer, nem cogitei imaginar como estaria se tivéssemos chegado ao cume. Muito cansados fomos dormir cedo, depois que entrei no saco de dormir desanimei até de dar uma última ida ao banheiro. Pelo menos dentro da barraca a temperatura era quase agradável.


Neste dia caminhamos 13,1km.


2º Base da Pedra da Mina x Três Estados


Na noite anterior eu havia dito ao Pedro que animaria um ataque noturno à Pedra da Mina para observar o nascer do Sol. Ele prontamente não animou (rs), estava exausto pelo primeiro dia de caminhada (que realmente foi muito exigente). O despertador tocou 5:25 e eu levantei mais por vontade de ir ao banheiro do que de ir ao cume. O frio lá fora estava de doer. Como não é todo dia que se tem o privilégio de ver o Sol nascendo do ponto culminante da Serra da Mantiqueira, decidi subir. Fui com a câmera, uma garrafa d’água e uma barrinha de cereal; vestindo três camadas em cima e uma embaixo.


Da base ao topo são 1,2km de caminhada e mais de 280 metros de desnível. A parte inicial é feita por lajeados bem inclinados. Saí por volta de 5:50 e, como ainda estava escuro, tive um pouco de dificuldade para seguir pelo melhor caminho. Vale ressaltar que o trajeto Toca do Lobo x Pedra da Mina está bem sinalizado por totens e pequenas faixas reflexivas, que ajudam nas caminhadas noturnas. Aos poucos o dia foi ficando mais claro e a trilha mais nítida entre capins. Estava bem desgastado pelo dia anterior e a subida, mesmo sem peso, foi árdua. Parei diversas vezes no caminho e imaginei que não conseguiria chegar a tempo. Quando parece que você está chegando ao cume, vem uma outra subida. rs. Pelo menos era menos íngreme.



Aos poucos totens gigantes e bem elaborados vão aparecendo pelo caminho e, quando você menos espera, é cume! Depois de aproximadamente 30 minutos de subida cheguei ao topo da Pedra da Mina, faltando poucos minutos para o nascer do Sol, que já se desenhava à direita do Pico das Agulhas Negras. Espetáculo! 2.798 metros de altitude, o quarto ponto mais alto do país e o ponto culminante da Mantiqueira.


Depois de muito contemplar e registrar, retornei ao acampamento por volta das 8:00 ou mais. O visual lá de cima era realmente singular: um tapete de nuvens do lado mineiro; a silhueta do Agulhas Negras e Prateleiras no Parna Itatitaia; o vale do rio Paraíba do Sul, sem sinal de nuvem alguma; os contornos da Serra do Mar; os picos Marins, Itaguaré, Alto do Capim Amarelo e Três Estados; Tartarugão; Vale do Ruah… daria tranquilamente para passar o dia lá somente observando.


De volta ao camping, o Sol já iluminava um pouco do capão de mata em que estávamos. Outras companhias apareceram, dessa vez pequenos pássaros em busca de alimento. O frio continuava. Tomamos café com calma, esperando o sobreteto da barraca secar ao Sol. Às 10:17 deixamos o camping com a cargueira nas costas. Como não tinha pressa, dessa vez foi possível subir bem devagar, mas num ritmo constante. Pequenas paradas para retomar o fôlego e apreciar a vista daquela manhã sem nuvens.


Em 44 minutos, cronometrados, chegamos ao topo da Pedra da Mina (minha segunda vez somente neste ano rs). E lá fomos nós, observar toda aquela vista uma outra vez. Como também tem sinal de internet no topo, mais uma vez mandamos mensagem para BH. Ficamos um bom tempo por lá e iniciamos a pesada descida por lajes de pedra até o Vale do Ruah, praticamente o último ponto de água da rota.


Saída do Vale do Ruah, Pedra da Mina ao fundo

Do alto parece ser um local bem tranquilo de percorrer, já que era só capim e tudo plano, afinal era um vale; mas chegando lá em baixo as coisas tomam outra proporção. O que era “só capim” se transforma em gigantes tufos com mais de 2 metros de altura. A passagem entre eles é estreita em alguns pontos, sem falar que é tanto capim que é difícil ver o que está meio metro adiante. Pelo menos era plano. rs


Depois de passar uma área grande de camping na entrada do vale, cruzamos um charco e pegamos um dos caminhos entre os tufos de capim, sempre com o Rio Verde a nossa esquerda. Caminhamos pouco mais de 1km por dentro do vale até que desembocamos no rio, onde fizemos a coleta de água para o restante do 2º dia e boa parte do 3º. 4L de água para cada foram suficientes.


Como já eram quase 13:00, aproveitamos para emendar a coleta de água com o almoço. Saciados, retornamos à trilha, dessa vez nos afastando cada vez mais dessa nascente do Rio Verde, que seguia seu caminho serra abaixo. Vamos subindo um morrote entre tufos de capim, olhando para trás temos uma bela visão do Vale do Ruah e da Pedra da Mina. Ganhamos a cumeada e vamos alternando subidas e descidas curtas. Depois de uma pequena área de camping, pegamos à direita numa bifurcação, onde a trilha certa sobe entre bambus, um pouco escondida. Esse é um dos poucos locais da travessia que merece atenção na navegação, já que uma trilha batida segue descendo a serra (não sei se ela tem um fim ou se foi apenas fruto de muitos erros rs).


Mais subindo que descendo, passamos por mais um cume e vamos nos encaminhando para um cocuruto, conhecido como Cupim de Boi. Neste trecho a trilha percorre uma fina cumeada, à esquerda (norte) temos o vale do Rio Verde e à direita (sul) o abissal vale do Rio das Cruzes. O desnível entre o topo da serra e o fundo do vale impressiona.


15:37 passamos pelo Cupim de Boi (2.533m, GPS) e a trilha dá uma guinada para o norte, tomando a direção do pico Três Estados. A esta altura nuvens encobriam parte do pico, assim como a vista para o Parque Nacional da Itatiaia. Após um forte mergulho até o fundo do vale, começa uma pesada subida, sempre com a companhia dos bambuzinhos. De volta ao topo, o aclive é mais suave, com um pequeno trecho de escalaminhada, até a base do Três Estados.


Certamente quem abriu a picada não quis saber nada de curvas de nível, foi direto ao ponto. Ou melhor, ao cume. Da base dos Três Estados, a subida é praticamente em linha reta, um forte aclive com muitos degraus em terreno pouco amistoso. O jeito é ir se segurando no que dá pra ir ganhando altitude. Depois de alguns minutos subindo chegamos ao cume, às 16:57.

Três Estados (esq), Cupim de Boi (centro) e Cabeça de Touro (dir)


Como o próprio nome faz referência, o pico Três Estados fica na junção entre os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. A altitude informada é de 2.655m, embora na carta apareça 2.665m. O cume é menor que o do Capim Amarelo, mas igualmente abrigado pelos tufos de capim. Montamos as barracas em um dos quartos e tratamos de cozinhar enquanto não anoitecia.


Deixei o arroz cozinhando enquanto fui assinar o livro de cume. Falei com o Pedro para tomar cuidado, pois o local era meio instável e qualquer esbarrão poderia derrubar a panela e o fogareiro. Menos de dois minutos após o aviso, escuto o barulho da panela caindo. rs. E pensar que viemos falando desse arroz durante a parte final da trilha. rs. O Pedro ficou bastante incomodado com a situação, mas era rir pra não chorar. Hoje é engraçado relembrar o fato, mas na hora bateu uma pontinha de tristeza por não comer nada quente naquela noite gelada. O jeito foi caprichar no atum e na batata. Não passamos fome. rs


Neste dia caminhamos 8,4km.


3º dia: Três Estados x Sítio do Pierre


Acampamos no cume e ainda conseguimos nos atrasar alguns minutos para ver no Sol nascendo. rs. Novamente o espetáculo matinal teve em primeiro plano as montanhas do Parque Nacional do Itatiaia. Do lado mineiro um tapete de nuvens cobria todas as cidades do entorno. Já no Vale do Paraíba tempo bem aberto, com vistas para a cidade de Itatiaia e a represa do rio Paraíba do Sul.

Três Estados


Tão logo o Sol saiu e já fomos nos preparando para desmontar o acampamento. Primeiro passo foi colocar o sobreteto da barraca para secar. Calmamente ajeitamos o restante das coisas, por último tomamos café. Às 8:51 deixamos a área de camping, tomando uma trilha mais à direita. Embora o caminho correto fosse o da esquerda, algum infeliz resolveu cagar bem no meio dele, pra evitar o bosteiro peguei um caminho alternativo que acabou nos afastando do eixo principal da trilha.


O caminho vai descendo e se aproximando de um precipício. Sem saber se aquela trilha daria uma guinada para o oeste, em direção ao eixo principal, achei por bem varar mato por uns 50 metros até interceptar a trilha correta. Ótima maneira de começar o dia.


Depois da forte descida do pico, a trilha continua com pequenos aclives e declives até o ponto que é conhecido como ombro dos Três Estados, que é um cume próximo. Passado o ombro, uma forte descida por trilha aberta até chegarmos no sopé do Bandeirante, o 2º dos quatro cumes que teríamos no dia. Seguimos por uma trilha à esquerda (oeste) ao invés de subir direto ao cume, na espectativa de evitar a subida. Não teve jeito, adiante a trilha dá uma guinada para direita (leste) e é preciso fazer uma pequena escalaminhada, contando com o apoio dos bambuzinhos.


Depois do Bandeirante, mais uma forte descida entre bambuzinhos, seguindo pela cumeada da serra. Passamos por baixo da cachoeira de nuvens que avistamos pela manhã lá dos Três Estados. O vento forte rapidamente gelou tudo e apertamos o passo para sair dali o quanto antes. A crista da serra nos levou ao penúltimo cume do dia, após uma breve subida. De lá tínhamos, ao norte, a visão do Alto dos Ivos, o último cume, e sua bela subida entre capins e bambus.


Do penúltimo ao último cume a distância era inferior a 1km, mas a proximidade na Serra Fina é algo relativo, já que a velocidade média de deslocamento é baixa. Encaramos o último mergulho entre bambus e um capão de mata, passamos por uma área de camping no sopé do pico e iniciamos a subida entre capins gigantes. Olhando para trás tínhamos, praticamente, a visão de todo o caminho percorrido desde os Três Estados. A subida do Alto dos Ivos foi lenta e gradual. De passo em passo fomos ganhando altitude e às 10:26 alcançamos os 2.517m do cume (segundo GPS, a carta informa 2.635m). Foram 1 hora e 35 minutos para percorrer os 2,3km que separam o Três Estados do Alto dos Ivos.


O pior passou, esse era nosso pensamento. Dos Ivos em diante a maior parte seria descendo até a BR-354, onde havíamos combinado o resgate para as 14h. Começamos a descida pelos lajeados rochosos da Serra dos Ivos, agora a trilha deixa de seguir para o norte e dá uma guinada para nordeste. A nossa frente temos uma vista desimpedida para as montanhas do Itatiaia, com destaque para o Agulhas Negras, cada vez mais perto.


A descida é lenta, a trilha possui alguns degraus e outros trechos mais planos entre bambuzinhos. Vamos nos aproximando de uma outra elevação e o pensamento não podia ser diferente: será que teremos mais um cume? Para nossa sorte, entre capins, vamos nos deslocando para a direita do morrote e escapando de visitar mais um cume.



Os tufos de capim gigante ficam para trás e agora penetramos num trecho de mata atlântica. Depois de algumas descidas íngremes com vários degraus, o relevo estabiliza e vamos alternando descidas longas com subidas curtas. É um trecho gostoso de percorrer, sem muitos obstáculos e bastante sombreado. Com pouca visão do exterior, por conta da densa mata, vamos perdendo altitude. Em algum ponto do caminho percebo um arame semi-enterrado no chão.


As pequenas subidas praticamente desaparecem, agora a trilha dá uma guinada para o norte e passa a seguir o leito de uma antiga estradinha, há tempos tomada pela vegetação. Neste trecho a caminhada rendeu bem, mantivemos a média entre 4 e 5km/h, relembrando o bom e velho Espinhaço.


Às 12:07, pouco mais de três horas após iniciarmos a caminhada, chegamos ao primeiro ponto de água após o Vale do Ruah. Desde o Três Estados já tínhamos percorrido 6,5km. Devido ao bom rendimento, tanto em relação à distância como ao tempo, fizemos uma boa parada para o almoço, aproveitando para detonar o que sobrou de comida e deixar as cargueiras mais leves. rs


Depois da refeição, pé na trilha. Continuamos pelo leito da antiga estradinha, uma suave descida em nível. 300 metros após o ponto de água chegamos a uma bifurcação importante. À esquerda o caminho natural para quem faz a travessia da Serra Fina, que leva ao Sítio do Pierre. À direita, também pelo leito de uma antiga estrada, uma trilha suja que vai em direção à Garganta do Registro, divisa entre MG e RJ, onde também está a entrada para o Parna Itatiaia. O caminho da direita é uma boa opção para os que estão fazendo a Transmantiqueira e pretendem emendar a Serra Fina com alguma travessia do Itatiaia.


Fomos pela esquerda e em pouco mais de 1km de caminhada já estávamos no Sítio do Pierre, às 13:07. Local estava vazio, mas bem cuidado. Agora a trilha deixa o leito de uma antiga estrada e passa a seguir por uma estradinha com calçamento de pedra, que dá acesso ao sítio. As descidas vão ficando mais acentuadas e desgastantes. Passamos por mais um ponto de água, à direita da estrada e, depois de serpentear serra abaixo, cruzamos uma tronqueira.


A estrada de terra faz um zigue-zague pela curvas de nível. No meio da descida, de repente, percebemos que o caseiro do sítio, Sr. Sebastião, está bem na nossa frente. Ele carregava uma foice e uma tora de madeira para o fogão a lenha. Vamos proseando um pouco e rapidamente chegamos à casa do caseiro. Ainda eram 13:40, então resolvemos descansar um pouquinho por lá. Experimentei um mel, produzido no sítio, e acabei levando um potinho para BH. Despedimo-nos e continuamos pela estrada em direção à BR-354, onde chegamos às 13:54. Foram, precisamente, 5 horas e 3 minutos de caminhada até o ponto final. Para alegria de todos nosso resgate acabara de chegar e rapidamente embarcamos de volta para Itanhandu.


Depois de tomar o primeiro banho em 3 dias, aceleramos de volta para BH, com direito a uma parada para almoçar em Santana do Capivari, distrito de Pouso Alto. A viagem de volta foi looonga, ficamos cerca de duas horas parados na rodovia Fernão Dias, em virtude da greve dos caminhoneiros. Cheguei em casa e já passava das 23:00, com a certeza de ter superado alguns limites e de ter feito uma travessia de respeito.



Neste dia caminhamos 11,1km. No total caminhamos 32,6km.


DICAS E INFOS:


Serra Fina é um trekking de respeito. Ponto. Tem aquele mito por trás de ser a travessia mais difícil do Brasil, que até se justifica em termos pelo desnível acumulado, temperaturas baixas para o padrão brasileiro e escassez de água. Por outro lado tudo depende do preparo de quem faz. Uma boa experiência passa por pesquisar mais sobre a travessia; minimizar o peso da cargueira; roupas e equipos adequados; estabelecer locais de coleta e o quanto de água será coletada (evitar o sobrepeso, lembra?); entre outras coisas.


Do ponto de vista técnico, é uma caminhada que exige alguma experiência do montanhista, já que é preciso vencer aclives e declives muito acentuados, incluindo trechos com escalaminhadas; acampar ao estilo natural e preparar a própria refeição. Do ponto de vista físico, é uma caminhada que exige MUITO do caminhante. Bom condicionamento físico é essencial, já que subidas e descidas são constantes e algumas bem acentuadas.


A melhor época para percorrer a Serra Fina é o final do outono e todo o inverno, quando chove menos em toda a região. Neste período o frio é companheiro do montanhista, prepare-se para temperaturas negativas. É possível acompanhar a previsão pesquisando “Temperatura Pedra da Mina” no Google. Se a previsão for de chuva o melhor é não fazer. Fora o risco de tempestades elétricas em todo o trecho de cumeada, a dificuldade da trilha aumentará bastante, subidas como a do Alto do Capim Amarelo, Pedra da Mina, Três Estados e Alto dos Ivos ficarão muito escorregadias.


É plenamente possível fazer o trajeto sem guia, tendo como referência GPS, bússolas, cartas topográficas e outras formas de navegação e informação. Se optar por fazer de forma autônoma, é IMPERATIVO que o montanhista tenha boa experiência em trekkings longos.


Sinal de celular (VIVO) em vários trechos da rota, como nos principais picos/cumes.


Como é de conhecimento da maioria, são poucos os pontos de água da rota (7 no total: Toca do Lobo, base do Quartzito, Cachoeira Vermelha, Nascente do Rio Claro, Vale do Ruah, uma antes e outra após o Sítio do Pierre. Em três dias, recomendo a seguinte forma de coleta: iniciar com 2,5L; sair com  2,5L da nascente do Rio Claro; sair com 4L do Vale do Ruah, coletar o necessário para finalizar a travessia antes do Sítio do Pierre.


Uma das poucas rotas de escape é a saída pela trilha do Paiolinho, a partir da Pedra da Mina. É uma descida longa e pesada, com duração estimada de 3h (de forma contínua e em boas condições físicas). Paiolinho é um bairro rural de Passa Quatro.


De uma forma geral, a trilha está bem sinalizada (com totens, laços, adesivos, etc), principalmente no trecho Toca do Lobo x Pedra da Mina. A exceção dos trechos sobre lajes rochosas, o caminho está bem batido e é de fácil navegação. Atente-se para as saídas corretas do Alto do Capim Amarelo e Três Estados.


Evite levar algo mais largo que a cargueira na posição horizontal (p.ex. isolantes, barracas, etc). Nos trechos de bambuzinho a trilha costuma ser bem estreita e qualquer coisa mais larga que uma pessoa acaba por frear a caminhada. Por conta disso, atente-se para que a vegetação não “roube” nenhum material. Vista-se adequadamente, ande sempre com braços e pernas protegidos.


Realizar esta travessia em 4 dias facilita bastante do ponto de vista físico, já que as distâncias diárias serão pequenas. Por outro lado o peso a ser carregado é maior, já que será preciso carregar uma boa quantidade de água no 1º e 3º dia. Serra Fina em 3 dias, como descrevi, é bastante cansativo no 1º trecho, até a Pedra da Mina, pela distância percorrida e constante sobe e desce. Em 2 dias a água deixa de ser o maior problema, neste caso a questão é puramente física e ter disciplina em relação às paradas para descanso.


COMO CHEGAR:


Quatro localidades podem ser consideradas como base para a Serra Fina: Passa Quatro, Itanhandu, Itamonte e Santana do Capivari (Pouso Alto-MG). Qualquer seja o transporte escolhido para chegar a essas localidades, é preciso combinar transfer para o início e fim da travessia, já que as extremidades da travessia não são acessíveis por transporte público.


O início atual da trilha, Fazenda Santa Amélia, está a cerca de 9km do bairro de Pinheirinhos (Passa Quatro-MG). O acesso é por estrada de terra em condições medianas. Em períodos chuvosos a estrada pode estar inacessível para veículos de passeio e/ou vans. O término da travessia, Sítio do Pierre, fica às margens da rodovia BR-354, a cerca de 17km de Itamonte. Segundo moradores locais, ônibus de linha não trafegam nessa rodovia.

No nosso caso, escolhemos Itanhandu como base. Fomos até lá de carro, a partir de Belo Horizonte (435km) e combinamos o transfer completo com uma amiga. Ela e outras pessoas fazem esse transfer para a Serra Fina. Para maiores informações, entrem em contato.

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