05/07/2017

Travessia Serra do Lobo: Mata Grande x Cabeça de Boi

No extremo sul da Serra do Espinhaço, um pouco separada do conjunto principal, está a Serra do Lobo, no município de Itambé do Mato Dentro. A serra também é o plano de fundo mais chamativo no caminho entre Itambé e o povoado de Santana do Rio Preto, mais conhecido como Cabeça de Boi.

Aproveitando nossa passagem pelo povoado e o tempo favorável, a Giulia e eu decidimos por fazer essa travessia, meio que de última hora. Foram quase 11km de caminhada, quase sempre pelo cume da Serra do Lobo, passando pelos Picos Itambé e Itacolomi.

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Saímos de BH na tarde anterior, feriado de Corpus Christi. Durante a noite, já instalados em Cabeça de Boi, fomos ao bar do Seu Agostinho para curtir uma viola e também procurar por um bom vivente que pudesse nos levar até o início da trilha, distante cerca de 7km do povoado. Numa conversa com Seu Agostinho surgiu o nome do Pedro Henrique, da Pousada Serra do Lobo. Como Cabeça de Boi não um dos maiores povoados, acabei encontrando o Pedro no bar do outro lado da rua. Conversamos por alguns minutos e deixamos meio que combinado o “transfer” até o início da travessia.

A sexta de recesso amanheceu bem nublada, com teto baixo. Do povoado não conseguíamos avistar a parte alta da Serra do Lobo, que nem é tão alta assim, entre 1.300 e 1.500 metros de elevação. Por isso fomos um pouco mais devagar na arrumação da mochila de ataque, para ver se o tempo melhorava um pouco. Por volta das 8:15 passamos na Pousada e André, filho do Pedro, foi o responsável por nos levar até o início da trilha. Embarcamos no Suzuki Samurai e seguimos serra acima.

Visual após a mata

São 7km entre Cabeça de Boi e o povoado de Mata Grande, o trajeto é feito por estrada de terra em condições medianas, com aclives bem acentuados, o que pode dificultar o acesso por carros de passeio com tração dianteira. A estrada que sai de Senhora do Carmo em direção a Mata Grande está em melhores condições, com subidas um pouco menos acentuados. Gastamos cerca de 20 minutos para chegar ao ponto inicial, se fôssemos a pé, a caminhada levaria, facilmente, duas horas ou mais.

8:45 estávamos em frente a porteira da pequena escola do povoado de Mata Grande, que aparentemente está abandonada. Como não vimos outro caminho, o jeito foi pular a porteira, cruzar o pátio da escola e atravessar uma cerca de arame farpado, onde a trilha efetivamente começa. O tempo ainda estava muito fechado e sem sinal de melhoras, o jeito era caminhar e ver no que dava.

Começamos a subir um morro muito acentuado, por uma trilha bem batida. Metros acima a trilha vira espécie de uma antiga estradinha, onde provavelmente só tratores passavam. Menos de 10 minutos após começar, chegamos a caixa d’água do povoado, onde há uma espécie de represa. A respiração já estava ofegante pela subida inicial, mas o terreno logo se estabilizou.

Após a caixa d’água embrenhamos em um capão de mata atlântica, caminhando por uma trilha batida morro acima. Foram cerca de 500 metros pelo trecho de mata, que conta com algumas subidas bem íngremes. Como é um trecho úmido, em virtude da mata fechada, é preciso ter atenção com a aderência ao solo. Conforme fomos ganhando altitude, as árvores começaram a ficar mais esparsas até que tínhamos saído por completo do trecho de mata, passando a caminhada agora por um campo de samambaias. A trilha continuava bem demarcada, mas agora era preciso um pouco de atenção, já que as samambaias vão crescendo e fechando o trilho.

Vamos acompanhando uma cerca serra cima, passando também por alguns afloramentos rochosos. O paredão desta face da Serra do Lobo vai se aproximando e vou pensando por onde é que a trilha passa. Como a precisão do GPS não é milimétrica, é preciso ter um pouco de experiência na navegação. Acompanhamos a cerca até o seu fim, quando a subida fica quase totalmente vertical. No final da cerca, o arame está amarrado a uma rocha, fizemos uma pequena escalaminhada e passamos por cima deste ponto, dando uma guinada para a esquerda (norte-nordeste).

Cruzeiro com vista para Mata Grande

Ao passar pela cerca, é possível ver uma continuação um pouco tímida da trilha entre campos rupestres. O trilho vai margeando o paredão pela esquerda, agora numa leve subida. Adiante a trilha fica mais nítida, mas ignoramos sua continuação para inverter totalmente o sentido da caminhada, indo agora no rumo sudoeste, em direção a um cruzeiro no alto da serra. Este pequeno trecho não possui trilhas demarcadas, já que é feito sobre lajes rochosas, o jeito é seguir o rumo.

Depois de caminhar apenas 1,6km em uma hora, chegamos ao cruzeiro às 9:47. O tempo ainda estava bem fechado e as nuvens baixas, normalmente conseguíamos visualizar o povoado de Mata Grande bem abaixo, em outros momentos as nuvens encobriam tudo. Ficamos vários minutos por lá contemplando aquela manhã fria, consegui até ligar pra minha mãe (coisa que ainda não tinha feito), já que neste ponto há sinal de celular.

Era hora de continuar. Retornamos no rumo, para interceptar aquela trilha batida mais a frente. Foi um pouco difícil em virtude do capim alto, mas não tardou para que encontrássemos uma trilha suja, momentos antes de adentrar a um pequeno capão de mata. Voltamos a subir, agora em direção ao primeiro pico da travessia, o Itambé (do Itambé. rs). Conforme nos aproximamos a subida vai ficando cada vez mais íngreme, até o ponto em que é preciso passar por uma espécie de fenda, uma pequena escalaminhada que antecede o pico.

O Pico do Itambé (IBGE) é o ponto mais alto desta travessia, o GPS registrou 1.666 metros de elevação. Já a carta topográfica de Conceição do Mato Dentro informa 1.535 metros, altitude não comprovada. Uma boa diferença. O tempo ainda estava bem fechado, ainda assim ficamos um pouco por lá aproveitando um pouco da vista que tínhamos.

Por volta de 10:30 voltamos a caminhar. Tìnhamos pela nossa frente uma descida constante e de inclinação razoável. Como o trecho era composto por lajes rochosas, sem muito solo ou vegetação, basicamente seguimos o rumo, já que não havia trilha visível em muitos pontos. Cerca de 500 metros após o pico encontramos alguns exemplares de canelas-de-ema gigantes, muito comuns nessa região da Serra do Lobo e bem maiores que as que encontramos durante a Travessia do Parque Nacional da Serra do Cipó. Vamos descendo e nos aproximando de imensos blocos rochosos, que vimos também na travessia Alto Palácio x Serra dos Alves, só que de outro ângulo e mais distantes. Estes blocos rochosos escondem uma pequena nascente, mas quase não havia água por lá. Nos embrenhamos entre os blocos, passando por alguns pontos com sinal de pisoteamento.

Trecho final da descida após o Pico Itambé, visual para o 2º pico e Itacolomi.

Neste trecho entre os blocos a trilha (ou sua ausência) é um pouco confusa. O caminho menos provável, que é uma parede ligeiramente inclinada, é o que deve ser escolhido. Subimos por essa parede por “degraus” naturais, a subida é curta, com cerca de 2 metros. Vencido o trecho, continuamos a caminhada por lajes rochosas, sem trilha demarcada.

Vamos acompanhando uma pequena nascente, posicionada a nossa direita. Em determinada ponto da descida, cruzamos o caminho da água e subimos entre capins para um patamar superior, também a nossa direita. Não me certifiquei, mas existe a possibilidade de seguir descendo o curso da nascente até interceptar trilhas de gado mais abaixo. Depois de subir até o patamar superior a nossa direita, tornamos a descer, agora em um trecho mais inclinado. Alguns rastros de trilha aparecem, indicando que estamos acertando na navegação. A descida nos leva até uma drenagem, onde a vegetação é um pouco maior. Assim como no ponto anterior, havia pouquíssima água no local.

Cruzamos a drenagem às 11:50, depois de percorrer 4,5km. Como nossas garrafinhas estavam cheias, não precisamos reabastecer no local. Neste ponto uma trilha reaparece e começamos a subir. Existem algumas bifurcações pelo caminho que costumam sair no mesmo local. Depois de um entre e sai entre campos rupestres e pequenos capões de mata, começamos a acompanhar uma cerca de arame farpado. A trilha batida seguia paralela à cerca, mas no ponto em que havia uma plaquinha de metal escrito “Favor não mexer cerca”, ignoramos sua continuação para passar por baixo da cerca e tomar o rumo norte.

Por uma trilha suja seguimos em direção ao segundo pico, onde chegamos às 12:16. O GPS registrou 1.432 metros de elevação. Do segundo pico tínhamos uma visão 360º da região, com o tempo mais aberto já dava pra ver muita coisa que antes estava escondida. Ficamos um bom tempo por lá, aproveitamos também para fazer um lanche reforçado. Tínhamos caminhado 5,5km, a metade do trajeto, em três horas e meia. Estávamos num ritmo tranquilo, já que tínhamos o dia todo para a travessia.

Depois do almoço, era hora de preparar os joelhos para a descida do 2º pico, que é bem íngreme e conta com uns trechos de muito cascalho. Depois que o declive estabilizou, passamos por dentro de uma mata de canelas-de-ema gigantes. Aqui saímos um pouco da trilha suja que desce o pico, já que ela contorna as canelas-de-ema pela esquerda. Continuamos por um declive suave, tendo o Pico do Itacolomi cada vez mais perto.

Visual do 2º pico, tempo aberto e vista para Pico Itambé

Ao final da descida, começa o trecho de navegação mais complicada de toda a travessia. A trilha que chega ao Pico Itacolomi pelo sul é pouco utilizada, conta com trechos muito íngremes, de escalaminhada, e uma vegetação resistente, que “esconde” o caminho a ser seguido. Passamos por um primeiro ponto de escalaminhada e continuamos pela trilha suja entre as canelas-de-ema, mas logo o caminho se mostrou bastante confuso. À direita do pico tínhamos uma subida bem puxada entre canelas-de-ema e à esquerda um trecho de capim baixo mais aberto. Nossa primeira tentativa foi contornar o pico pela esquerda, o que logo se mostrou numa tarefa impossível sem equipamentos. Então seguimos entre capins e canelas-de-ema em direção àquela primeira subida que visualizei. O caminho não foi tão fácil, mas logo chegamos próximo da subida e interceptamos uma trilha suja, quase encoberta, que sobe a encosta.

Vencida a subida, chegamos a uma bifurcação. O caminho da esquerda leva ao pico e o da direita é a trilha mais batida de acesso ao cume. Eram 13:19 quando chegamos ao Pico do Itacolomi, com o GPS registrando 1.428 metros de elevação. A essa hora o tempo já estava bem firme, com o Sol forte brilhando no céu. Tìnhamos o visual do povoado de Cabeça de Boi, minúsculo lá em baixo; um pouco de Itambé do Mato Dentro, com suas antenas se destacando; e a silhueta da Serra da Piedade, à sudoeste, com seu topo encoberto por uma espessa camada de nuvens.

Aproveitamos o tempo aberto para tirar algumas fotos e curtir o visual do pico, um belíssimo atrativo de Santana do Rio Preto. Depois de algum tempo por lá, começamos a descida para o trecho final desta travessia. A saída do Pico do Itacolomi é bem acentuada, com muito cascalho. No final da primeira parte da descida, chegamos a uma espécie de selado, uma passagem mais baixa entre as serras. Neste ponto há uma bifurcação importante. À esquerda temos a trilha que corta direto para Cabeça de Boi, trata-se de uma descida bem íngreme onde é preciso escalaminhar em alguns trechos, descendo de costas. Optamos por continuar pela cumeada da Serra do Lobo, seguindo a trilha da direita.

Após a bifurcação, a trilha dá uma pequena fechada e, outra vez, é preciso estar atento para continuar no caminho certo. Por esta opção a descida é mais leve e gradual. Cruzamos um mourão com apenas dois arames de cerca e vamos atravessando campos rupestres e de altitude. Em alguns pontos a trilha desaparece, mas a vegetação rasteira facilita a navegação e o caminhar. Algumas árvores e arbustos maiores aparecem e se multiplicam, conforme descemos. Já quase no final do trajeto passamos por mais um ponto com pouquíssima água, atravessamos por uma fenda e saímos novamente em campo aberto.

No trecho final a trilha é bem demarcada, cruzando campos de altitude e margeando um espesso capão de mata. Já próximo da estrada o que era trilha vira praticamente uma estradinha, já que algum trator passou por lá recentemente. Vários mourões espalhados sugerem que em breve vão cercar parte da área.

Depois de 10,9km chegamos à estrada de terra que liga Itambé a Cabeça de Boi às 15:01.Estávamos a 4,5km do povoado e cerca de 5km da cidade. Desde o trecho final da descida acompanhávamos o movimento da estrada, que era bem pouco. Como a trilha termina em uma área aberta e o Sol estava forte, decidimos ir tocando direto para Cabeça de Boi. Para nossa surpresa vários carros passaram pelo caminho, alguns cheios, outros indo para alguma cachoeira. Com o Sol sapecando descemos um declive bastante acentuado até o fundo do vale. Atravessamos a ponte e resolvemos sentar na beira da estrada, à espera de alguma carona.
Descida rumo à estradinha Itambé-Cabeça de Boi

Sombra e botas fora dos pés, era tudo que precisávamos! Fica algum tempinho sentados e logo apareceu uma camionete sentido Cabeça de Boi. Não podia ser um carro melhor. No balanço da carroceria percorremos os 3km que faltavam até o povoado, com a brisa interiorana batendo no rosto e observando toda a extensão que percorremos da Serra do Lobo.

15:37 chegamos à Cabeça de Boi, onde brindamos o fim da travessia no Boteco do Sô Agostinho.

LOGÍSTICA:
A forma de chegar a Santana do Rio Preto/Cabeça de Boi está detalhada na postagem sobre o povoado. Sobre a travessia, são duas formas:

Se você for de carro para Cabeça de Boi, procure o Pedro Henrique da Pousada Serra do Lobo, ele também costuma fazer passeios guiados pela região. Ou então veja se algum local tem a disponibilidade de te deixar lá. Lembrando que, embora sejam só 7km, a estradinha pra lá possui uma baita subida, que facilmente consumiria duas horas ou mais de caminhada.

A outra forma é contratando um transporte por van, lembrando que o trajeto para Mata Grande desde Senhora do Carmo está em melhores condições.

Reiterando que o ponto de partida é o povoado de Mata Grande, conhecido pelo pessoal da região. A chegada é no meio do caminho entre Itambé e Cabeça de Boi. Você pode optar por combinar um resgate, fazer o restante caminhando ou arriscando uma carona, que é mais provável em feriados ou finais de semana. Se optar pelo resgate, leve em conta que o tempo médio para conclusão do trajeto é de 6 horas, sem pressa e com algumas paradas para contemplação.

DICAS E INFORMAÇÕES:

A travessia da Serra do Lobo exige um bom condicionamento por parte do montanhista, mas não precisa ser um atleta para concluir a rota;

O mais exigido do montanhista é a habilidade em navegação, seja por carta, bússola, GPS. Muitos trechos não possuem trilha visível pela característica do terreno e outros estão com trilhas apagadas. Caso não conheça a rota ou não saiba navegar pelos instrumentos citados, contrate um guia que conheça a rota;

Não recomendo para pessoas com fobia de altura, existem muitos pontos expostos;

Pouquíssima água pelo caminho, contabilizei apenas 3 pontos que tinha um pouco de água corrente. No auge da seca, entre julho e outubro, é possível que não exista opção de abastecimento. Isso se deve ao fato da travessia percorrer a cumeada da Serra do Lobo;

O cruzeiro possui sinal de celular da TIM, acredito que nos picos também seja possível utilizar o celular;

Duas rotas de fuga: ir em direção a estradinha, no encontro com as trilhas no final da descida após o Pico do Itambé; tomar à esquerda no vão após o Pico Itacolomi. Antes do primeiro pico o melhor é retornar para Mata Grande;

O Wikiloc dá uma “ajustada” no trajeto, deixando-os mais curtos e lineares. Mesmo tendo baixando o arquivo .gpx da travessia, é preciso ter uma boa leitura do terreno;

Boa pernada! Qualquer dúvida sobre a rota estou à disposição.

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